quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Vitória no julgamento de Ana Santos

É com prazer que sabemos da notícia. Mais um desfecho de um caso que prova que a impunidade já não é uma realidade. Casos destes, que parecem excepcionais, revelam como entrar na "brincadeira das praxes" é entrar um espaço de come-e-cala em que uns tontos julgam que podem mandar comer e calar a seu bel-prazer, abrindo portas à estupidez, à falta de espírito crítico, às pretopências de alguns em nome do bolorento e indesejável valor hierarquia, ao abuso e à violência.

Aqui fica a notícia:

Relação de Évora condena praxes violentas

Sete castigados por barrar face de aluna com excremento de porco na Escola Agrária de Santarém

ALEXANDRA SERÔDIO

O Tribunal da Relação de Évora confirma a condenação de seis jovens acusados de co-autoria de um crime de ofensas à integridade física qualificada e um outro de coacção. Em causa está uma praxe na Escola Agrária de Santarém.

Os juízes-desembargadores declaram "improcedente" o recurso interposto pela defesa dos arguidos e mantêm "a sentença" proferida pelo juiz do Tribunal de 1.ª instância de Santarém, a 23 de Maio de 2008. Seis jovens foram condenados por co-autoria de um crime de ofensas à integridade física qualificada. O sétimo foi condenado pelo crime de coacção. As penas de multa variam entre 640 e os 1600 euros.

Este caso remonta ao ano lectivo de 2001/2002 na Escola Agrária de Santarém. A 8 de Outubro, os veteranos levaram os caloiros para a Quinta da Bonita, propriedade do estabelecimento de ensino, para apanharem nozes. Um telefonema da mãe que Ana Francisco atendeu terá motivado "o castigo".

A jovem foi "barrada" com excrementos de porco na face, pescoço, peito e cabelos, e obrigada a fazer o pino sobre um bacio cheio de bosta.

Os juízes do Tribunal da Relação de Évora referem que a conduta dos arguidos - membros da comissão de praxe - "não se pode considerar de insignificante, tendo em conta a zona atingida, bem como as nefastas consequências que provocaram ao nível da saúde psíquica e até física (de Ana), atenta a reconhecida transmissibilidade de doenças contagiosas através do contacto com excrementos de animais doentes".

No acórdão, os magistrados referem que os factos praticados "demonstram, de forma óbvia, um motivo torpe ou fútil na motivação da actuação dos arguidos, o qual, avaliado segundo concepções éticas e morais da comunidade, deve ser considerado repulsivo, baixo, gratuito, de modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana".

Segundo os juízes-desembargadores, os actos impostos pela comissão de praxe e por um veterano são "da exclusiva responsabilidade destes" e "vão para além do mínimo ético socialmente tolerável, mormente entre aqueles, como é o caso, se inserem numa comunidade académica" e onde "se exige uma postura ética tolerável" que "não existiu" e que "era exigível aos arguidos", tendo em conta que frequentavam os últimos anos do curso.

in Jornal de Notícias


Outras notícias:

O Mirante
Diário de Notícias
Canal UP
Esquerda.net


O que o MATA já postou sobre este caso:

http://blogdomata.blogspot.com/2008/05/depois-disto-h-mais-para-mudar.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/03/questo-de-fezes.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/02/veteranos-membros-das-comisses-de-praxe.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/02/o-mata-reconta-ou-ser-interpreta-o-que.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/02/praxes-violentas-em-santarm-julgamento.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/02/julgamento-da-ana-santos-pgina-inteira.html
http://blogdomata.blogspot.com/2008/02/5-anos-depois.html

sábado, 27 de junho de 2009

Supremo Tribunal de Justiça dá razão a Ana Sofia Damião

Instituto Piaget condenado a pagar indemnização de 38 mil euros

Esta semana chegou ao fim um dos processos mais importantes relacionado com a praxe académica. Ana Sofia Damião, na sequência de um processo cível em que exigia que fosse reconhecida a responsabilidade do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros, vê mais uma vez reconhecidos os factos relacionados com a praxe a que foi sujeita.

Ana Sofia Damião foi, no ano lectivo de 2002/2003, sujeita às violências da praxe: insultada, obrigada a despir-se e a vestir-se novamente, forçada a simular orgasmos e relações sexuais com colegas, a relatar pormenores da sua vida sexual e intimada a insultar os seus pais. O inconformismo fez com que a aluna se queixasse junto da Escola e do Ministério, tendo resultado a abertura de um inquérito pela Direcção do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros. Inacreditavelmente, agressores e agredida foram sancionados, por igual, com uma repreensão escrita – a Ana Sofia “pela forma subjectiva excessiva como relatou os factos, que sabia não terem a gravidade que decorre da sua exposição”; os agressores “por não terem a preocupação de avaliar se as ordens da praxe poderiam ferir susceptibilidades individuais”.
A indiferença demonstrada por esta direcção é agravada pelas declarações de um antigo docente e membro do Concelho Pedagógico e Concelho Científico do Piaget de Macedo, que afirma que esta direcção estava claramente a tentar obter o máximo de aproveitamento publicitário de toda a situação.
Ana, abandonada por todos os que tinham responsabilidades no processo – Direcção do Instituto Piaget, Ministério com a tutela do Ensino Superior, Associação de Estudantes, Comissão de Praxe –, vê-se forçada a abandonar essa escola e tentar ingressar noutro instituto (o que consegue!). Mas o caso não ficaria por aqui.

Na sequência da queixa-crime que interpôs, vem a surpreendente decisão do Tribunal de Macedo de Cavaleiros, que se decidiu pela não existência de julgamento. De facto, apesar do juiz ter reconhecido todos os actos (crimes, portanto!) de que Ana se queixava, argumentou que por não se ter declarado anti-praxe, deu consentimento para ser submetida a qualquer prática, independentemente da sua natureza. Inacreditavelmente, foi reconhecida maior legitimidade “às leis da praxe” do que às leis do país. Ficaram por julgar os crimes da praxe.

Mais tarde, Ana avança com um processo cível contra o Piaget de Macedo de Cavaleiros. Perdido o processo-crime contra os agressores, exigiu na altura a responsabilização da escola – 70 mil euros pelos “danos morais e patrimoniais” decorrentes de todo o caso. Esta foi a primeira vez que uma instituição do Ensino Superior foi chamada à barra dos tribunais e obrigada a assumir a sua responsabilidade na praxe e a justificar a conivência com a violência.
O Tribunal de Macedo de Cavaleiros declarou como provadas as seguintes situações: a direcção IPMC tinha conhecimento e aceitava com naturalidade a existência e o conteúdo das praxes no Instituto, nomeadamente porque aceita e legitima o dito "Código de Praxe"; a direcção do IPMC conheceu, em tempo útil, os factos ocorridos com a Ana Sofia Damião, que deram origem a este processo; a Ana ficou revoltada, triste e humilhada na sequência do ocorrido; a degradação do estado de saúde da Ana, consequência de todo o processo, levou-a a abandonar a faculdade.

Esta foi, sem dúvida, uma decisão inédita e da maior importância. Foi a primeira vez que um tribunal reconheceu as responsabilidades objectivas de uma direcção de uma universidade relativamente a esta temática. A coragem da Ana, que nunca desistiu perante as arbitrariedades e contrariedades que enfrentou nos últimos anos, já valeu a pena.

Foram interpostos vários recursos, até que o processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Soubemos hoje que foi, inevitavelmente, dada novamente razão a Ana Sofia Damião, tendo o Instituto Piaget sido condenado a pagar uma indemnização de 38 mil euros.
Mais do que o valor monetário que foi atribuído à Ana – sempre muito pouco “compensador” para todas as dificuldades e injustiças que teve de enfrentar – o que verdadeiramente está em causa é saber que a persistência de quem não cruzou os braços perante as adversidades e enfrentou todos os poderes tem direito à merecida justiça. Contudo, não podemos também deixar de dizer que este é apenas um caso entre tantos outros que, não tendo chegado à Justiça, acabam por ficar à mercê da impunidade e aproveitamento.

Não podemos deixar de saudar a Ana, a sua coragem e determinação. É um grande incentivo e exemplo para todos, nomeadamente para aqueles que para quem este caso motiva a romper o silêncio que muitas vezes envolve experiências semelhantes de coacção, violência e humilhação.

Basta constatar que, na sequência da sua denúncia, muitas outras situações foram expostas.
Recordamos o caso da Ana Santos, que denunciou as práticas de praxe decorridas na Escola Superior Agrária de Santarém em Outubro de 2002. Também após um longo processo se assistiu a uma decisão inédita: em Maio de 2008 Seis arguidos, acusados do crime de ofensa à integridade física qualificada, e o sétimo, do crime de coacção, foram condenados a pagar multas entre os 640€ e os 1600€.
Não podemos também deixar de falar no caso do Diogo Macedo e na esperança de que o inquérito recentemente instituído esclareça as causas da sua morte.

A impunidade já não é uma realidade. A conivência com a violência e práticas humilhantes e subjugantes tem um preço. Esta decisão obriga a uma reflexão na escola, na comunidade estudantil, na sociedade. Obriga a que seja questionada a cultura do medo, violência e coação que existe e é cultivada no ensino. Exige que seja reclamada uma escola em que os estudantes são iguais, em que a integração não significa subjugação, em que a democracia não fica à porta. E faz com que as entidades responsáveis pelas várias instituições do ensino superior percebam que simplesmente proibir a praxe não serve. Já não chega olhar para o lado.
Estes casos demonstram claramente que as leis da praxe não são e nunca poderão ser diferentes daquelas que recaem sobre os restantes cidadãos.

Media: TVI-online, TVI-telejornal (aos 32m50), Diário-IOL, Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Rádio Brigantia
Blogs e outros: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui
Neste blog: 23.ABR.08, 4.DEZ.08, 5.DEZ.08

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Provado que aluno morreu durante praxe

Segue abaixo a notícia que saiu no Destak a passada 6ª feira dia 19| 06 | 2009

«O Tribunal Cível de Famalicão considerou hoje provado que um membro da Tuna da Universidade Lusíada morreu durante uma praxe ao ser atingido na “nuca” com uma revista.

A posição foi expressa pelo juiz José Manuel Flores, responsável pelo processo cível, ao dar a conhecer a resposta a 51 quesitos. O relatório da autópsia refere que o estudante Diogo Macedo sofreu “fractura da 1ª vértebra cervical, arco posterior, com hematoma extenso no cerebelo direito”, podendo ter sido provocada pela agressão sofrida no interior do edifício da universidade.
O advogado da universidade já disse à Lusa que vai responder às conclusões do juiz do processo, das quais discorda. “Nada do que está dado como provado nos quesitos resulta do processo”, referiu o causídico António Viana Dias.
O advogado de defesa da Lusíada e João Nabais, representante legal da mãe de Diogo Macedo, têm agora 30 dias para contestar os quesitos. “É claro que vamos pedir para repor a verdade”, frisou ainda António Viana Dias.
Neste processo, o Tribunal Cível de Famalicão pretende apurar se houve ou não responsabilidade da Universidade Lusíada na morte de um aluno, alegadamente ocorrida durante uma praxe da Tuna Académica.
A mãe de Diogo Macedo, o aluno da Lusíada morto em 2001, seis dias depois da alegada agressão, pede 210 mil euros de indemnização à Minerva, a fundação que detém a Lusíada.
A morte deste aluno, com 21 anos à data dos factos e a frequentar então o 4º ano do curso de Arquitectura, não deu lugar a qualquer processo-crime. O caso ainda foi investigado pelo Ministério Público de Famalicão, que acabou por o arquivar em 2004, alegando falta de provas. A sentença do processo cível deverá comunicada às partes ainda antes das férias judiciais.»

Outras notícias: aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
No nosso blog sobre este caso aqui.

Comentário: Isto não é apenas consequência de mentes retorcidas. A praxe cria o palco para que estas coisas aconteçam. Tem de se acabar com isto! A morte neste contexto é demasiado séria. E as direcções das faculdades têm responsabilidades nisso.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O erro de Bolonha

Em baixo transcreve-se parte do artigo de opinião que saiu hoje, no jornal Expresso (versão online), por Avelino de Jesus, Director do ISG - Instituto Superior de Gestão

Um balanço realista do Processo de Bolonha
«(...)
Comecemos pelos objectivos da reforma 1. Se quisermos evitar a linguagem de madeira em que rapidamente se tornou o discurso oficial sobre o Processo de Bolonha, devemos convir cruamente que o móbil que animou a reforma pode bem resumir-se em dois pontos principais:
- Primeiro: travar, e se possível reduzir, as despesas públicas com o sistema de ensino sem pôr em causa a continuação da sua expansão;
- Segundo: copiar, para a Europa continental, o modelo de ensino em vigor na Grã-Bretanha, implicitamente admitido - mas nunca abertamente reconhecido - como o mais competitivo.

Não era difícil reconhecer, desde o início, a contradição entre estes dois objectivos e prever qual deles prevaleceria.

O primeiro objectivo foi bem conseguido. O sistema continuou a expandir-se quantitativamente e as despesas públicas respectivas foram efectivamente travadas.
O segundo objectivo está a revelar-se um rotundo fracasso, provocando adicionalmente uma quebra significativa na qualidade dos diplomados. Face ao anterior sistema, estamos em presença de um claro retrocesso, com evidentes implicações de médio e longo prazo sobre a competitividade do nosso aparelho produtivo.

(...)
Não é razoável esperar que, por magia, os comportamentos e os métodos de trabalho se alterem - como mais uma vez se comprovou nestes três anos de experiência -, quer por parte dos alunos, dos docentes ou das autoridades académicas. Para além das profundas raízes culturais que levam à resistência à mudança, existem fortes factores materiais que o justificam:
- No caso das escolas públicas: travão no aumento das receitas e constrangimentos de carreira na repartição do tempo dos docentes, entre docência e investigação, que os levam a reduzir o esforço e dedicação ao ensino;
- No caso das escolas privadas: devido à persistência da situação de concorrência desigual do sistema público, não corrigida pelas recentes reformas, a insuficiência de corpos docentes com carreiras estáveis e dedicadas.

O efeito Bolonha também foi negativo no caso dos cursos de mestrado. Em muitas áreas, com o objectivo de maximizar o recrutamento de alunos, as condições de admissão nos mestrados são tais - por exemplo: não exigência de licenciatura na área de estudos do mestrado - que passamos a ter mestres com pior preparação do que os licenciados na mesma área. Em muitas dessas situações - quer pelas restrições quantitativas, quer pelas condições de admissão - torna-se mais fácil ser admitido no curso de mestrado do que na respectiva licenciatura. Só se salvam as situações, infelizmente pouco numerosas, em que se criaram mestrados integrados: nestes casos, formam-se, efectivamente, mestres equivalentes aos anteriores licenciados. Nos restantes casos, os mestres estão pior preparados que os licenciados. A procura de mais mobilidade, mantendo e reforçando a autonomia das escolas, sem curar da articulação de planos de estudos e de programas, leva a aberrações gritantes. Por outro lado, o sistema está a encaminhar-se para uma situação em que desaparecerá, na prática, um grau intermédio entre a licenciatura e o doutoramento que permita hierarquizar - objectivamente e com relevância para as empresas e a sociedade - os diplomados do ensino superior. A coerência do sistema ficou gravemente ferida, provocando novo rombo na relevância social da universidade.

(...)
Vários países da União Europeia - por exemplo, a Espanha e a Alemanha - não se deixaram ir na cantiga bolonhesa e não embarcaram, como Portugal, na irrealista redução da duração dos cursos de licenciatura.
Nos corredores da burocracia de Bruxelas já se ouvem francas referências a este erro.
(...)

1 Naturalmente, o que importa são os objectivos reais. Recordo que um dos pontos mais citados nos textos oficiais é a mobilidade internacional dos estudantes. No caso português, a qualidade dos nossos licenciados - que procuravam continuar os seus estudos na Europa e fora dela - nunca constituiu obstáculo à mobilidade de estudantes, a qual ocorria com bastante facilidade. Uma parte bem significativa dos quadros de doutores das nossas universidades foi formada no exterior e são prova da inexistência, pré-Bolonha, de obstáculos de natureza académica à mobilidade dos estudantes. Outro dos objectivos glosados - a passagem do paradigma da "transmissão de conhecimentos" para o modelo baseado no "desenvolvimento de competências dos alunos" - faz lembrar a conversa semelhante já ouvida no âmbito das sucessivas reformas, com os resultados que estão à vista, do ensino não superior.
»

quinta-feira, 11 de junho de 2009

'Lefteria = Liberdade'

'Lefteria = Liberdade' é um filme de Tiago Afonso sobre os acontecimentos da Grécia com base na sua estadia de 5 dias em Atenas, durante a segunda semana de Janeiro de 2009.
Os links para o filme são os seguintes:
- Parte 1
- Parte 2
- Parte 3
- Parte 4

Na Grécia, os estudantes estão preocupados com o seu futuro.
Em Portugal estão entretidos com as praxes.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

'Praxe á la Tuga'


Contributo de Rogério Rocha em, http://rogercomics.wordpress.com/2009/03/13/praxe-a-la-tuga/

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Estamos cá, porque nunca fomos embora

Publicado no blog Reunião Geral de Alunos por João Curvêlo (ISCTE) a 12 de Mai de 2009

Completam-se, precisamente no dia em que o Expresso divulga a lista dos futuros autores do blogue "Reunião Geral de Alunos", trinta e cinco anos da revolução que pôs fim a quase meio século de ditadura. Sophia de Mello Breyner escrevia, no próprio dia 25 de Abril de 1974, que foi esse o momento em que "emergimos da noite e do silêncio". A primeira grande questão é, exactamente, a do silêncio.

Noutra frente, Boaventura Sousa Santos, sociólogo da Universidade de Coimbra, sistematiza a outra grande questão da democracia moderna: "Temos direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza." A democracia implica a diferença. Por ela existe e para ela existe. A democracia, aliás, é a própria diferença: sem ela, e sem confronto de opiniões e de ideias, caímos no anglicanismo e no silêncio. A democracia, enquanto sistema mas também enquanto aspiração, é o poder das maiorias no que às decisões colectivas diz respeito; mas é, ao mesmo tempo, o respeito pelas minorias no que diz respeito aos direitos de cada um. Esta dupla vertente, que coloca um ponto de equilíbrio entre direitos individuais e direitos colectivos, não pode deixar de questionar quem, como eu, acaba de ingressar no ensino superior.
A praxe académica, ritual de (des)integração dos estudantes no ensino superior, é o silêncio. É-o porque não há espaço para o confronto de ideias. Que dirão as praxes sobre o nosso tempo aos tempos que hão-de vir? O que devemos, hoje mesmo, dizer nós sobre isso?
Ninguém me tira da ideia que, pudesse o Eça regressar, muito havíamos todos de nos divertir com a "praxe do Eusebiozinho"; ou mesmo com o episódio do "Eusebiozinho chega a supremo Dux Veteranorum". E uma semana inteira durou, este ano, o cortejo dos eusebiozinhos - tão obedientes e formatados, tão vazios de alma, todos dispostos a debitar em coro a obediência acéfala ao cancioneiro monótono mas jactante das hierarquias. "Quem é estúpido? Eu(zinho). Rasteja! Rastejo(zinho)"...
A praxe, ao nível simbólico e cultural, é também ela representativa deste outro silêncio que se tem vindo a instalar nesta geração que agora chega ao ensino superior. E representa, ao mesmo tempo, um inquietante desprezo pelo direito à diferença de cada um.
Porém, o pensamento é o pior inimigo do conformismo - e, por consequência, de rituais como a praxe. Quem pensa, sempre muda. E quem muda sempre alcança.
Hoje, como sempre, o mundo é um todo em movimento. E, entre o passado e o futuro, havemos de nos encontrar nalgum sítio.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Con-tradições

Esta notícia é do Correio da Manhã e, como o jornal que é, procura o sensacionalismo moralista e, neste caso apareceu-lhe o "strippers-lésbicas-queima das fitas-estudantes do superior".
Não me importa se elas ficam nuas e praticam sexo em cima do balcão onde se servem as bebidas. (Preocupa-me saber se elas vendem o corpo por uma determinada condição social e não porque o querem fazer, mas isso é outra questão). A hipócrita e contraditória moral católica sempre me irritou e não a pratico.

Gostava então de salientar duas coisas que se percebem a partir das declarações de um dos membros da associação de estudantes do ISEP.
Primeiro: Um evento torna-se tradição quando acontece pelo menos dois anos de seguida.

Segundo: A gritante contradição entre 'é do conhecimento público a existência da tradição' e 'só não sabe dela quem não vai à Queima'.


Ambas demonstram a falta de argumentos que existe entre aqueles que, com responsabilidades no ensino superior, se sentem obrigados a justificar determinados acontecimentos que se dão em actividades por eles organizados e, portanto, por eles permitidos. Na primeira, recorre-se ao já tradicional (ironia, ironia...) argumento da tradição. Tudo é tradição, mesmo que não o seja. E assim, está tudo automaticamente justificado (pelo menos assim se quer crêer...). O que acontece na praxe, na queima das fitas, nas latadas, nos tribunais do caloiro,... é tradição e ponto final parágrafo! Não há mais espaço para contra-argumentar, para pensar. Se der para o torto, 'é responsabilidade dos estudantes', como salienta este membro associativo. A responsabilidade nunca é de quem organiza os acontecimentos onde se dão as barbaridades (e, obviamente, não me refiro a um show de strippers). Apesar desses acontecimentos permiterem todos os excessos.

Na segunda, não há muito a dizer. A associação ilógica de premissas opostas demonstra o desfasado que o rapaz está da realidade. Aliás, a realidade dele reduz-se muito provavelmente a pouco mais do que a "tradição académica".


“Contratar strippers para a Queima é uma tradição” (14 Maio 2009)
Contratar strippers para a Queima das Fitas do Porto é já uma tradição de alguns anos dos alunos de Engenharia Mecânica do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP).
Contactada pelo CM, a Associação Académica confirma ter conhecimento do show lésbico a que dezenas de alunos assistiram na passada quinta-feira.
'Contratar strippers para a Queima tornou-se já uma tradição, é já um costume acontecer. Sei que, pelo menos desde 2007, isto tem vindo a acontecer', explicou César Santos, membro da associação de estudantes. Embora inicialmente tenha começado por imputar a responsabilidade à Federação Académica do Porto (FAP), o estudante acabou por admitir que há fortes probabilidades de que esta não tenha conhecimento do sucedido. 'A FAP não tem controlo sobre o que se passa nas barracas, isso é responsabilidade dos estudantes,' afirmou.
No entanto, César Santos garante que 'é do conhecimento público a existência da tradição' e que 'só não sabe dela quem não vai à Queima'.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Semana Anémica


O mês de Maio começa com o seu primeiro dia. Horas passadas e dias construídos aglomeram-se no período que deglute a Semana Académica de Lisboa.
É de notar que não me refiro a este franchising de “festividades dos estudantes” por particular apreço, nem por nenhuma particularidade que a esta seja particular [a prová-lo estão as 13 Semanas Académicas em 13 zonas de Portugal no ano passado. A conta deste ano, por preguiça, não a sei mas “é possível – porque tudo é possível” – que o número tenha crescido, o que não falta por aí é o nascimento da “tradição”], mas porque por esta altura, andar de metro, passear pela cidade ou comer na cantina da Escola implica piscar o olho a cartazes que a anunciam.

O preço na festa
A serenata, a garraiada, o arraial, o festival, a missa. Enumerado assim nem parece que este hoje é mesmo hoje.
A abrir a semana estão as Tunas com a serenata no Panteão Nacional em Lisboa e na Sé Velha em Coimbra. As Câmaras e as Juntas de Freguesia são um bom apoio institucional, da cedência dos espaços ao apoio financeiro à integração oficial da festarola nas “festas da cidade”.
Na garraiada as capas negras invadem as Praças de touros mais habituadas a outras cores [não menos recrimináveis].
Com o pagamento de 3€ a 60€ [conforme], ingressa-se no festival. Um cartaz igual, sempre igual! O espaço musical fecha-se para o orgulhoso vitalício tributo ao Quim Barreiros, para todas aquelas bandas que sabemos que vão lá estar e para as tunas [vide cartazes de todos os anos de todas as semanas académicas]. A dimensão da variedade e da abertura cultural é precária, mas afinal por quem é ditada?
Com os 5€ pagos na inscrição, a missa e a bênção das fitas, por vezes a abrir a semana, por vezes a encerrá-la [é conforme o ano] entope a linha de metro que leva até à Alameda da Cidade Universitária. O Senhor Patriarca benze as fitinhas numa cerimónia de corpos escaldados pelo sol de Maio e pela emissividade característica dos negros trajes.

O preço da festa
É uma boa época para as Lojas Académicas, sempre perto das Faculdades, que fornecem a “bom preço” todo o equipamento imprescindível à comercializada – vendida e comprada – imagem “tradicional” mas actual do estudante universitário. Capa para rasgar, saia feita à medida [não vá correr o risco de desrespeitar o código que dita os centímetros a que deve estar abaixo do joelho], símbolos da bandeira do país ao da Junta de Freguesia, da irmã ao da tia afastada... é entrar e escolher! E rápido porque pode esgotar.
Conteúdos invariáveis com o contexto. Os orçamentos, sim, esses variam nunca abaixo dos milhares. Em 2005, o orçamento da queima das fitas em Coimbra foi de 1,6 milhões de euros e em 2006 de 1,25 milhões.
Dinheiros vindos do apoio institucional das Câmaras e Juntas [como acima referido], de patrocínios e bilheteiras, cobrem o orçamento a não ser em caso de fraude com direito a investigação por parte do Ministério Público, como em 2005 em Coimbra. Parcerias, concessões... vale de tudo para que a festa seja feita [e não para que se faça a festa]. As Associações e Federações Académicas criam Comissões Organizativas próprias e tratam de abrir concursos públicos.

Visitando o site da Queima das Fitas deste ano em Coimbra, deparamo-nos com vários:
- concurso para a concessão de exploração comercial e bebidas,
- concurso para a concessão de exploração de comidas, pipocas, algodão doce e farturas;
- concurso para fornecimento de material gráfico de divulgação;
- concurso para produção das “Noites do Parque” - Palco Principal;
- concurso para fornecedor oficial da queima das fitas 2007
- concurso para Produção, Decoração e Catering do Baile de Gala das Faculdades e Chá Dançante.
Empresas privadas concessionam o espaço da festa para os estudantes [de discotecas a casinos]. Empresas privadas fornecem oficialmente, com direito a exclusividade, a festa para os estudantes. Empresas de segurança privada controlam os excessos na festa para os estudantes. Empresas privadas exploram a restauração na festa para os estudantes. Empresas privadas produzem a festa para os estudantes. Empresas privadas tratam da divulgação da festa para os estudantes. Empresas privadas vendem a imagem destes estudantes.
Esta imagem vendida, consumida, recriada, deturpada, tradicionalizada e estupidificante constrói o seu caminho mal se chega à Escola. Dos kits do caloiro às praxes da tradição. Das festas das associações de estudantes às festas das associações académicas.
O controlo do mercado sobre estas festas não vem descontextualizado de um novo paradigma que lentamente privatiza a Escola Pública. O seu espaço é vendido a residências permanentes de instituições bancárias. A estas, é atribuida a exclusividade do tratamento da informação de cada aluno que queira ter um cartão de estudante. As aulas adaptadas aos curriculos de Bolonha, prometedores de uma maior articulação com o mercado de trabalho, são tidas em salas renovadas por altruistas empresas, no âmbito do Estatuto de Mecenato, que as baptizam segundo a sua própria sigla ou marca.

Aos bocadinhos estes nomes vão ocupando os nossos Espaços. Aos bocadinhos vamos achando que é normal. Aos bocadinhos até achamos que só nos faz bem [afinal as salas melhoraram]. Aos bocadinhos as propinas aumentam. Aos bocadinhos transita-se para Bolonha. Aos bocadinhos desocupamos os Espaços. Aos bocadihos ocupam outros por nós. Aos bocadinhos se burocratiza. Aos bocadinhos se institucionaliza. Aos bocadinhos se privatiza.

Texto de dan.i.ela para a Toupeira de 2007

domingo, 17 de maio de 2009

Semana Académica - o vazio que entretém

A respeito do último post lembrei-me de um cartaz que fizemos há tempos sobre o tema da Semana Académica e o vazio que ela constitui: uma semana de praxe e bebedeira organizada.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Inebriados pela Tradição Académica

Notícia em http://blitz.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=bz.stories/45164

E a crítica, aos cortes orçamentais para o Ensino Superior, à diminuição da representatividade dos estudantes nos órgãos de decisão das faculdades, à privatização do ES, ao aumento ridículo do número de bolsas a alunos (mais 17), ao aumento constante das propinas..., onde está? A vontade dos estudantes ficou-se pela cerveja? O êxtase de ser estudante resume-se a isto, às praxes, às tunas e ao traje? Onde está o resto?

O amorfismo reina no cada vez mais pequeno condado dos estudantes.

«Queima das Fitas de Coimbra: mais de 100 comas alcoólicas numa semana
Muitos dos estudantes que participaram nas festividades académicas foram parar ao hospital devido ao álcool e às consequências dos seus efeitos: acidentes, cortes, quedas e agressões.

A Queima das Fitas de Coimbra, que começou na passada sexta-feira e termina amanhã, já levou aos hospitais mais de cem estudantes com problemas relacionados com o consumo de álcool.

Segundo o jornal Correio da Manhã, até ao dia de ontem foram recebidos 147 casos de comas alcoólicas nos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo os dias da Serenata e do Cortejo sido os que levaram a mais exageros.

A afluência aos Hospitais foi tão grande no dia do Cortejo, que alguns dos estudantes tiveram de ser reencaminhados para o Centro Hospitalar de Coimbra. O álcool em excesso levou também a alguns casos de cortes, quedas, despistes e agressões.

Apesar de os números serem alarmantes, os Hospitais da Universidade de Coimbra já comunicaram que estes números são semelhantes a anos anteriores.»

sábado, 21 de março de 2009

Eu confiei no bom senso de quem me praxou...

Um resquício do passado do MATA...
Para recordar e NÃO para repetir eternamente até ao fim dos tempos como uma coisa maçadora que eu cá sei.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

ora, o que é que é uma praxe para alguém que esfaqueia um animal antes de ele ir para o matadouro?... coisa de crianças, claro...

excerto da entrevista do jornal O Mirante ao

Fernando Salgueiro - "o toureiro que nos anos 60 e 70 actuou em centenas de praças":

(O.M.)
A escola sempre teve fama de ter umas praxes muito duras.
(F.S.)
Eram praxes como deve ser, não eram como as fantochadas de agora. Enquanto caloiros tínhamos que andar sempre fardados, não podíamos andar na rua depois das nove da noite. Havia regras…

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Piaget condenado a pagar 40 mil euros a aluna vítima de praxe

Primeira indemnização decidida pelo tribunal contra escolas e a favor de estudantes humilhados em praxes
notícia aqui

O Tribunal da Relação do Porto condenou o Instituto Piaget a pagar uma indemnização de cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de actos de praxe, considerados degradantes e humilhantes. O acórdão, que diz respeito a factos ocorridos em 2002, em Macedo de Cavaleiros, considera que constitui ilícito civil a conduta de uma instituição do ensino superior que, embora conhecendo o conteúdo de um código de praxe ofensivo, intimador e violador da dignidade da pessoa humana, permite ao mesmo tempo que continue a ser aplicado.

Por outro lado, frisam os juízes, tal instituição tem o dever específico de respeitar, fazer respeitar e promover direitos fundamentais, como o respeito mútuo, a liberdade, a solidariedade e a dignidade da pessoa humana, pelo que incorre na obrigação de indemnizar quem tenha sido ofendido pelas praxes académicas, relativamente aos danos patrimoniais e morais. O Instituto Piaget informou que não vai comentar a decisão, mas que dela vai apresentar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Esta é a primeira decisão conhecida em que uma instituição é condenada a ressarcir um aluno vítima de praxes académicas.
A acção foi proposta por uma ex-aluna do curso de Fisioterapia, Ana Damião, que se queixou de praxes violentas, degradantes e humilhantes e de nada ter acontecido depois de denunciar os factos aos responsáveis pela escola, que até lhe aplicou uma sanção disciplinar "pela forma subjectiva e excessiva como relatou os factos". Ana Damião teve que anular a matrícula e afastar-se da cidade, onde era alvo de frequentes ofensas e insultos por ter denunciado o caso.

Numa primeira decisão, o Tribunal de Macedo de Cavaleiros acabou por não lhe dar razão, já que, embora confirmando os factos, acabou por absolver a escola considerando não ter ficado provado que a aluna se tenha recusado a submeter-se às actividades da praxe. Na decisão de recurso, os juízes da relação fazem uma severa apreciação desta decisão, considerando que nela se "confunde de forma simplista a não recusa com o consentimento" ao mesmo tempo que "não valorizou a ambiência de medo, constrangimento e ansiedade" vivida pela aluna.

O acórdão agora conhecido afirma mesmo que "mal andou o tribunal [de Macedo de Cavaleiros]" ao afirmar que "as praxes académicas constituem um fenómeno público e notório e do conhecimento geral", uma vez que tal "não permite concluir que autora [a aluna] ou qualquer cidadão comum conheça o teor dessas práticas: como simular actos sexuais com um poste, simular um orgasmo, exibir a roupa interior, proferir expressões de elevada grosseria ou ser chamado de bosta".

A indemnização, de 38.540 euros, acrescidos de juros desde o início do processo, resulta dos danos morais e patrimoniais sofridos por Ana Damião, já que perdeu o ano e foi forçada a sair da escola, tendo entretanto concluído outro curso numa escola de Chaves. A sua advogada, Elisa Santos, considera que, além de fazer justiça, a decisão é também "um prémio para a atitude extraordinária e corajosa" mantida por Ana Damião.

(Público,
05.12.2008)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

quem disse que as escolas não têm nada a ver com as praxes, enganou-se!

A Ana Sofia Damião foi a primeira rapariga que ousou levar o tema das praxes para uma sala de tribunal.

Foi praxada em 2002 e 6 anos depois (no dia 24 de Novembro de 2008) o Tribunal da Relação do Porto condenou o Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros a pagar uma indemnização à Ana, por danos morais e patrimoniais.

Este foi o segundo caso que levou os tribunais a condenarem as "praxes académicas". Mas foi a primeira vez que foram atribuídas responsabilidades a uma instituição de ensino superior que escolheu compactuar com as praxes e com a "seita" que as organiza.


I - Constitui ilícito civil a conduta de uma instituição do ensino superior que embora conhecendo o conteúdo de um “Código de Praxe” ofensivo, e intimador, violador da dignidade da pessoa humana, permite que o mesmo continue a ser aplicado.
II - Tal instituição tem o dever específico de respeitar, fazer respeitar e promover direitos fundamentais, como o respeito mútuo. A liberdade, a solidariedade, a dignidade da pessoa humana.
III - Como tal a instituição tem a obrigação de indemnizar quem tenha sido ofendido pelas ditas praxes académicas, relativamente aos danos patrimoniais e morais.

(sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto)


É de saudar a coragem da Ana Sofia Damião, que não desistiu - com todas as dificuldades que lhe foram levantadas em todo o processo.

A persistência da Ana, assim como a da Ana Santos (que acabou por ver condenados 7 dos seus "praxistas", há poucos meses atrás), foi a fórmula que tornou possível mais esta vitória. Foram as duas pioneiras e vitoriosas.

Quem se lhes seguir já tem o caminho facilitado.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Évora: estudantes manifestam-se... pela praxe e tradição???

Estudantes de Évora protestaram contra restrições às praxes
Público (nº 6790, 02.11.2008, pág. 24) - M.A.Z.

O Dia da Universidade de Évora foi ontem marcado por um protesto de estudantes contra as limitações impostas pelas autoridades académicas à prática das praxes. Cerca de 600 alunos juntaram-se no claustro maior da instituição, trajados a rigor e empunhando cartazes a apelar à "tradição académica". A música das tunas deu lugar ao silêncio e o acto de estender as capas para que o cortejo académico passe por cima delas foi substituído por um virar de costas aos docentes. Para o Conselho de Notáveis, órgão constituído por alunos das diferentes licenciaturas, esta foi uma acção que visou mostrar a sua indignação com as medidas tomadas pela reitoria. "Esta foi a forma encontrada para mostrarmos que somos a favor da tradição académica e da praxe, devendo a Universidade assumi-la como sua, respeitá-la, e compreendê-la, ao invés de a afastar e rejeitar, uma vez que a praxe vai continuar a existir", afirmou Hugo Quintino, membro daquele conselho. O reitor Jorge Araújo disse, por seu lado, que os alunos estavam no seu direito de se manifestar, lamentado, contudo, o facto de "não reagirem relativamente a coisas muito mais graves que acontecem, dando a ideia de que a capacidade de indignação dos estudantes se resume às praxes". Jorge Araújo salientou que as praxes protocolares não estão proibidas, "o que está proibido são as alarvidades como gritar, chafurdar, sujar e todas as práticas que no fundo podem atentar contra a saúde física e psíquica dos alunos".

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segunda-feira, 3 de novembro de 2008


O estranho texto da JCP

A JCP, o RJIES e as praxes
Jornal Mudar de Vida - Diana Dionísio - Domingo, 2 Novembro, 2008

A Juventude Comunista Portuguesa fez um texto intitulado «RJIES – proibição das praxes», que está no seu blog e que enviou para a imprensa. Na semana passada, pelo menos nas paredes da Faculdade de Letras de Lisboa, apareceram uns cartazes impressos a tinta azul com o título Comunicado e esse mesmo texto, assinado pela JCP. Nesse texto, a proibição das praxes e o RJIES (o novo Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior que, sem se chamar “Regime de Privatização do Ensino”, tirou os estudantes nos órgãos de discussão e decisão das escolas e os trocou por representantes de empresas) são metidos no mesmo saco, são “a mesma coisa”, e o apelo é para que todos os estudantes (depreende-se: os que lutam contra o RJIES e os que lutam pelas praxes) se unam.

A JCP dá tanta importância à praxe (e está tão metida nela) que se dá ao trabalho de escrever um texto sobre isso. Isto revela, aliás, que as praxes andam mesmo a ganhar muito poder dentro das escolas e muito tempo e espaço da cabeça dos estudantes – facto triste e perigoso a que se deve dar atenção.
Mas os membros da juventude comunista estão também preocupados com a “outra” luta… e por isso querem juntar todos. Hum… e até dá jeito: olhem lá o pessoal todo das praxes numa manifestação! Uooou! As grandes massas de gente seguidista a engrossar as magras fileirinhas de pessoas que querem lutar por uma escola pública, livre, gratuita, para todos, sem mercado.

E pronto, já têm uma bela estratégia de manipulação de massas! É só criar um novo grito: «a proibição das praxes é um atentado à liberdade dos estudantes!» Para eles tem tudo que ver com o RJIES, é mais uma ameaça do RJIES. Há que ver, já agora, que ainda por cima isto é mentira: o RJIES não proíbe as praxes. Estas recentes “lutas”, RGAs, protestos contra a proibição das praxes só nasceram porque o Mariano Gago foi o primeiro ministro que teve a ousadia de falar sobre elas e contra elas, e o que disse foi que não deixaria de averiguar os abusos. Ele também não proibiu nada. Quem proibiu foram alguns directores de algumas faculdades (cheios de medo de serem responsabilizados, pois sabem muito bem de que é que as suas casas gastam!). Esses proibiram que houvesse praxes dentro das suas instalações, coisa que nem sempre chegou a acontecer na prática – veja-se o Instituto Superior Técnico, por exemplo, onde continuou tudo na mesma apesar da proibição.

Acho incrível que se ache que a luta por uma outra escola – uma escola que não seja mercado, uma escola em que as pessoas se relacionem em pé de igualdade e em que busquem por conhecer novas coisas – e a “luta” por podermos ser carneiros e burros e irmos atrás das praxes seja considerada a mesma coisa. Para mim, são o oposto. Também o ministro Mariano Gago devia pensar um pouco sobre isto, quando se afirma contra as praxes mas acaba com a democracia nas escolas e dá as faculdades às empresas, de mão beijada. Mas o ministro é do poder, faz o que o poder lhe manda, já se sabe. O que me inquieta de facto são aqueles com quem eu deveria estar na luta por mudar o mundo, jovens estudantes que dizem também querer lutar contra o RJIES, neste caso. E acham que o conseguem fazer enquanto milhares de estudantes-avestruzes têm a cabeça enfiada em baldes de esterco?! E que o conseguem fazer precisamente com esses que têm lá a cabeça e que andam a lutar para que não se acabe a tradição de tapar a boca, os olhos, os ouvidos e o nariz aos estudantes?!

As praxes ensinam a deixar o sentido crítico na cama quando saímos de casa e a cumprir as ordens que recebemos dos outros – desde que sejam superiores hierárquicos, claro. As praxes são o contrário do pensamento, da igualdade, da fraternidade, do salto por cima dos muros. As praxes são o prato de sopa já inventado e já gasto que reflecte no seu fundo de loiça tudo o que nos vende (ou até oferece, se for preciso!) a nossa sociedade capitalista, carneirista, individualista, mesquinha, cinzenta, parca de novas ideias e de atitudes diferentes e livres e com capatazes empenhados em fazer esconder a todo o custo que mudar de vida é possível.

http://www.jornalmudardevida.net/?p=1287


O texto da Juventude Comunista Portuguesa vai abaixo:

NOTA DE IMPRENSA
RJIES - proibição das praxes

2008-10-10

Está a ser discutida nas várias Instituições de Ensino Superior a aplicação do novo Regime Jurídico, proposto pelo actual Governo PS/Sócrates e que, tal como a JCP já afirmara, será o passo que faltava para a privatização do Ensino Superior em Portugal.

Já se verifica, através dos novos estatutos aprovados na maioria das instituições, que é drasticamente reduzida a participação dos estudantes nos novos órgãos de gestão, nomeadamente no Conselho Geral, que passa a ser o principal órgão de deliberação. A par desta situação, verifica-se a entrada das “entidades externas de reconhecido mérito”, que ocupam 30% do Conselho Geral (muito mais que o número de estudantes), e que na generalidade, não são mais que representantes de empresas e grupos económicos a ingerir na vida das instituições, segundo os seus interesses, que são naturalmente os da obtenção do lucro. É criada na maior parte dos locais, a figura do provedor do estudante, que sob a capa de “ajudar” os estudantes a resolver os seus problemas, deixam a claro o objectivo de substituição do papel das Associações de Estudantes. O Governo promove ainda a transformação das Instituições em fundações de direito privado, que é legitimada por este Regime Jurídico.

No contexto deste Regime Jurídico, verifica-se que em vários dos novos estatutos criados encontram-se restrições relativamente a actividades académicas, como a praxe, nomeadamente no que diz respeito ao seu tempo de duração e aos locais em que pode ser feito, que em algumas instituições acaba por ser a maior parte do seu espaço. Segundo o que está estipulado, a frequência às aulas não pode ser posta em causa para a realização destas actividades. Em caso de não cumprimento, os estudantes estão sujeitos a processos disciplinares. A JCP considera que tais restrições são uma ingerência na vida dos estudantes, e que é a eles que cabe as decisões no que diz respeito às suas actividades académicas. Estas restrições revelam o perigo e o precedente de impedimento de qualquer tipo de actividade, nomeadamente as de carácter reivindicativo.

A JCP apela a que os estudantes se unam na luta contra este Regime Jurídico que põe em causa a gestão democrática e promove a privatização do Ensino Superior, assim como a luta contra todas as políticas de direita que põe em causa o seu acesso e frequência universal, a luta por um Ensino Superior Público, gratuito, de qualidade e democrático para todos!

O Secretariado da Direcção Central do Ensino Superior da JCP

http://www.jcp-pt.org/noticias.php?id=420&categoria=3&categoria2=0&categoria3=0

sábado, 1 de novembro de 2008

Sr. Gago, acha que alguma vez o desfecho seria diferente?

Escola de Leiria afasta hipótese de praxe estar na origem de hospitalização de aluno

Aqui fica um parágrafo curioso desta notícia:

O jovem de 18 anos começou a ter os primeiros sintomas após o tradicional cortejo académico, realizado na quarta-feira, dia 22. “Na terça-feira tivemos um jantar de curso tranquilo com professores e depois fomos para o recinto. Ele estava bem e no dia seguinte, no cortejo, aparentemente também estava bem. Após o baptismo* começou a sentir dores de cabeça e muito frio. O padrinho levou-o então para sua casa. Deram-lhe banho e tentaram aquecê-lo com um cobertor. Como continuava com dores de cabeça, pediu para telefonar aos pais”, descreve Rui Andrade, presidente da Associação de Estudantes da ESTG.

*o baptismo é aquele "acontecimento" em que se levam as pessoas para um sítio com água, muita água, e se molham essas pessoas da cabeça aos pés. Quer esteja ou não uma condição meteorológica compatível.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

a investigação é só para confirmar que o rapaz não foi para o hospital por causa das praxes...

...mas porque será que as praxes deixam sempre dúvidas? não é isso suficiente para se perceber que as praxes e as vontades de quem praxa são arbitrárias e que, por isso, TUDO pode acontecer? e o facto de TUDO poder acontecer não é suficiente para se achar que não devem existir praxes?

(de Jornal de Notícias)

Aluno sofre uma ruptura de aneurisma após praxe


Um aluno da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria sofreu a ruptura de um aneurisma cerebral, depois de uma praxe académica. A escola pondera a abertura de um processo de averiguação. Apesar dos receios da família, não está provada relação directa entre o incidente e o ritual.

Luís (nome fictício) tem 18 anos e é aluno do primeiro ano do curso de Engenharia Electrónica da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Politécnico de Leiria. Na passado dia 22, o jovem participou nas actividades de recepção ao caloiro - um desfile pelas ruas e o "baptismo", num jardim da cidade. Começou a queixar-se de fortes dores na cabeça e vómitos, acabando por ser transportado ao Hospital de Santo André, naquela cidade.

Fonte daquela unidade explicou que o aluno deu ali entrada, cerca das 21 horas, "com referência, pela pessoa que o acompanhava, de consumo elevado de bebidas alcoólicas". Permaneceu internado até à manhã do dia seguinte. Segundo o hospital não apresentava qualquer queixa nessa altura.

Mas a mãe do jovem contou ao JN que "as dores não passaram e foram-se intensificando".

Por isso, no sábado, voltou ao hospital. Foi-lhe diagnosticada, então, uma hemorragia intracraniana resultante da ruptura de um aneurisma cerebral (ver caixa), tendo sido transportado ao serviço de neurocirurgia do Centro Hospitalar de Coimbra, onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica, na última terça-feira, que se prolongou por mais de sete horas. Permanece internado.

A mãe explica que, até sábado, ninguém sabia que o jovem tinha um aneurisma. E mostra-se convencida de que as actividades realizadas durante a praxe académica "poderão ter contribuído" para a ruptura.

"É certo que a ruptura de um aneurisma pode acontecer em qualquer circunstância, mas o que os alunos são sujeitos nas praxes - os pinotes, os banhos de água fria - podem provocar danos a quem tenha problemas de saúde, mesmo que não saiba". Por isso, adverte os outros pais para que, sempre que possível, "evitem que os filhos andem nestas coisas".

Carlos Neves, responsável da ESTG, afirmou ao JN que a escola está a ponderar abrir um processo de averiguação para apurar o que se passou naquela praxe. Ontem, o responsável ouviu os familiares do aluno, a Comissão de Praxes da escola e outros jovens que participaram nas actividades.

"Por aquilo que nos foi dito até agora, não se terá passado nada de anormal, mas estamos a averiguar se haverá uma relação directa entre a praxe e o acidente", afirmou.

Carlos Neves sublinhou que, apesar dessas actividades serem externas à escola, os responsáveis da ESTG procuram "controlar e observar", de forma a evitar eventuais excessos.

Rita Genésio, da Comissão de Praxes, contou que na véspera da praxe (terça-feira à noite), Luís terá assistido a dois concertos, integrados no programa de recepção ao caloiro. "Não terá dormido nessa noite e, quando iniciou as actividades, devia estar muito cansado", afirmou, assegurando que no dia de praxe "não houve excessos".

(mais notícias deste caso aqui, aqui e aqui e ainda aqui)