sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Falar sobre praxes incomoda muita gente

Primeira sessão do julgamento das praxes de Santarém: já foram ouvidos os arguidos e algumas testemunhas de defesa


A primeira sessão do julgamento que acusa seis arguidos de crime de ofensa à integridade física agravada e um outro de crime de coacção, ocorreu hoje no Tribunal de Santarém, e remete para o ano de 2002, em contexto de praxe, quando os antigos alunos da Escola Superior Agrária de Santarém (ESAS) “praxaram” a Ana Santos.

Em causa estão apenas dois dos vários momentos que a Ana descreveu na carta que enviou, em Janeiro de 2003, ao então Ministro do Ensino Superior Pedro Lynce: o primeiro, em que ela foi “barrada com bosta” (expressão repetida vezes sem conta na primeira sessão do julgamento) por outros caloiros; o segundo, quando ela fez o pino em cima de um penico com bosta e mergulhou a cabeça (há quem diga que foi só o cocuruto) dentro do mesmo.

Os cinco anos que passaram, aparentemente, tiveram efeitos na memória dos arguidos e das suas testemunhas de defesa.

Diz-se que, afinal, foram os “caloiros” que tiveram a iniciativa de ir buscar os dois sacos de excrementos suínos à pocilga da Quinta do Bonito (local afastado da cidade, para onde foram levados vários “caloiros” e “caloiras” no autocarro da ESAS – mas isto deixou de interessar para o caso) e barrar o corpo da Ana.
“Só nos braços, no pescoço e na cara.”
“E nos cabelos?”
“Não, nos cabelos não.” – disseram todos os arguidos afinadamente.
Não deixa de ser curioso que, apesar da espontaneidade dos “barradores-de-merda”, os arguidos afirmem convictamente (quase com orgulho) que aquela “praxe” era habitual naquela escola (facto, aliás, que o antigo director da ESAS confirma e acrescenta também ter passado pelo mesmo com agrado).
Contraditório? Ainda não (ou a advogada de defesa teria tido outro plano para salvar os seus cinco meninos e duas meninas).

Quanto à memória das testemunhas, os efeitos variavam. Mas variavam apenas consoante elas eram os tais “caloiros” inspirados ou não.
Os segundos (que não eram os “tais”, portanto) mergulharam num esquecimento (“não sei, não me lembro” foram, sem dúvida, as expressões mais ouvidas dentro da sala) que colocava, a quem as ouvia, a dúvida: porque será que eles são arguidos se não viram nada e não se lembram de nada?
Os primeiros, com a mesma afinação dos arguidos (talvez os ensaios da tuna, afinal, sirvam mesmo para alguma coisa), diziam ter feito o acto em questão por espontânea vontade.
E aqui levanta-se a verdadeira contradição (notada imediatamente pelo advogado do ministério público): uma destas testemunhas havia afirmado, na declaração da fase de inquérito, que foi obrigado a “barrar” a Ana.

“Praxar é levar os caloiros a conhecer a cidade e conviver com eles.”

“E há ordens? Os veteranos obrigam os caloiros a fazer alguma coisa?”
“Não. As pessoas fazem o que querem.”
“E se não quiserem?”
“Não fazem.”
“E têm que apresentar alguma justificação?”
“Não. Podem ir-se embora ou simplesmente não fazer.”
[Até parece um diálogo normal. Mas não corresponde ao que aconteceu com a Ana, que só depois de se declarar “anti-praxe” – as coisas que eles inventam para ter razão! – é que sentiu o verdadeiro cheiro da praxe de Santarém.]

Depois vem a parte do penico. Como é de prever, o único arguido acusado de crime de coacção afirmou (e é proibido mentir em tribunal!) que a Ana pegou no penico e foi enchê-lo de bosta (desta vez de vaca, para variar no aroma) por auto-recriação. E ainda quis, também por auto-recriação, fazer o pino. E como o “veterano” era bondoso, nomeou dois caloiros para ampararem as pernas, não fosse ela desequilibrar-se.
Ora, logicamente, somos levados a questionar: mas se a Ana gostava tanto dessas coisas que até se propunha a sugerir “praxes”, para que é que ela apresentou queixa? Afinal, o que não falta por aí é gente que até não desgostou dessas “brincadeirinhas”.

Depois disto – e antes do próximo episódio, que é já dia 18 – fazemos uma previsão resumida da estratégia dos arguidos.
Os arguidos eram todos “veteranos” em 2002, ou seja, nenhum dos arguidos era “caloiro” (lógica básica, para não nos perdermos). Portanto, se, no fim disto tudo (com todos os esquecimentos e as espontâneas vontades), as pessoas acusadas de terem cometido os factos que levaram a Ana a apresentar queixa forem os “caloiros”, os “veteranos” são absolvidos, ou seja, os arguidos são absolvidos, ou seja, ninguém é sujeito a qualquer tipo de pena no final do julgamento.

Claro? Ou ainda não?

(já agora, a notícia do Mirante - jornal regional - também está boa e também tem filme http://www.omirante.pt/omirantetv/noticia.asp?idgrupo=2&IdEdicao=51&idSeccao=514&id=20274&Action=noticia)

0 comentários: