terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Praxis, de Bruno Cabral (2)

“Praxis”: a “praxe como não deve ser” ou uma “reprodução fiel”
Texto de Mariana Correia Pinto, Público, 30/01/2012

Documentário "Praxis" não deixa movimentos pró e anti praxe indiferentes. Para o dux de Coimbra o filme mostra "aquilo que não deve ser a praxe". O M.A.T.A fala de uma "reprodução fiel" da tradição.

A curta-metragem "Praxis" “mostra aquilo que não é a praxe académica, ou aquilo que não deve ser”. João Luís Jesus, dux veteranorum da academia coimbrã não contesta a imagem que a Universidade de Coimbra (UC) tem no documentário de Bruno Moraes Cabral – “O minuto e meio em que aparece a Universidade de Coimbra mostra a realidade” –, mas não se revê no restante.

“Em 90% do tempo, é um documentário sobre o que não deve ser a praxe, quase tudo o que vi é proibido na Universidade de Coimbra.” João Luís Jesus falava, por exemplo, de praxes que põem os caloiros a rebolar no chão ou na lama: “Aqui é proibido qualquer actividade que suje o caloiro”, explica.

Ideia diferente tem Ricardo Alves, do Movimento Anti Tradição Académica (M.A.T.A.): “O realizador filmou apenas o que deixaram, não há entrevistas nem comentários; é uma reprodução fiel e está dentro daquilo que se conhece das praxes”.

Mesmo tendo apenas visto o trailer e lido declarações do realizador, Luís Pedro Mateus, administrador do site “Praxe – Porto”, arrisca um diagnóstico: “Parece-me uma imagem redutora da praxe".

Estilo de vida "versus" sociedade secreta
"O que se vê é apenas a parte da recepção ao caloiro e a praxe é muito mais do que isso”. O que é, então, a praxe académica? A mesma pergunta, respostas opostas: “Um estilo de vida”, diz Luís Pedro Mateus. “É quase uma sociedade secreta, onde se notam valores como a homofobia, autoritarismo, uma hierarquia sem sentido”, afirma Ricardo Alves.

O tema não é pacífico. No final de 2011, a maioria PSD/CDS-PP chumbou um projecto de resolução do Bloco de Esquerda (BE), que recomendava ao Governo a adopção de medidas para desencorajar as praxes violentas e apoiar os alunos vítimas dessas práticas.

“Não sei se será através de um decreto, acho que era importante haver um alerta da comunidade universitária para este assunto”, defende Ricardo Alves, do M.A.T.A.. O dux veteranorum da UC não se sente visado por esta proposta do BE: “Nenhum político ou reitoria falou alguma vez de Coimbra como um exemplo de uma praxe incorrecta, não sentimos que temos de mudar”, afirmou.

Tradição académica
Ao contrário do representante da UC, Luís Pedro Mateus revê a Universidade do Porto nas filmagens do Praxis, rodado em 19 faculdades, nas universidades de Lisboa, Coimbra, Aveiro, Évora e Beja. “A parte de recepção ao caloiro é muito o que se vê no filme”, admite, mas a inclusão de “academias como Évora ou Lisboa, com tradições menos fortes”, e exclusão do Porto, são “uma falha”.

Durante os três meses de rodagem da curta-metragem, Bruno Moraes Cabral teve apenas duas portas fechadas, uma delas de Coimbra, onde lhe disseram que não podia filmar à noite. João Luís Jesus justifica: “À noite não há praxe em Coimbra. Só as trupes – estrutura de alunos que se junta à noite para detectar possíveis infractores da lei da praxe – actuam à noite”.

Quem andar na rua fora de horas, pelas leis da praxe coimbrã, pode ser punido: “As sanções podem ser de ‘raspanço’, cortes de cabelo, ou de unhas”, onde se bate nas unhas dos estudantes com a colher da praxe.

O realizador Bruno Moraes Cabral notou em todas as faculdades um sentimento latente: “Independentemente de tudo o que me aconteceu, de bom e de mal, no próximo ano vai ser a minha vez”. “É um desejo de vingança que infelizmente acontece”, responde o aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Luís Pedro Mateus: “O que apetece dizer é que já começam mal, porque a praxe não é isso”.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Praxis, de Bruno Cabral

Praxe: o desejo de obedecer hoje para comandar amanhã
Texto de Mariana Correia Pinto, Público, 30/01/2012

"Praxis", curta de Bruno Moraes Cabral, tenta fazer um retrato "quase sociológico" das praxes nas universidades portuguesas. Uma prática que se generalizou, mas que não é consensual

Depois de poucos dias de filmagem, já nada surpreendia Bruno Moraes Cabral. O realizador da curta-metragem "Praxis" andou por 19 faculdades, nas universidades de Lisboa, Coimbra, Aveiro, Évora e Beja, durante três meses. Em todo o lado as mesmas brincadeiras, as mesmas palavras de ordem, os mesmos jogos. Em todo o lado o mesmo sentimento latente: “Independentemente de tudo o que me aconteceu, de bom e de mal, no próximo ano vai ser a minha vez”.

A interpretação de Bruno Moraes Cabral parte de uma observação “quase sociológica”, sem conceitos previamente definidos. O que o jovem realizador de 32 anos quis mostrar não foi a praxe camuflada, foi aquilo que “os estudantes fazem no dia-a-dia nas praxes e acham que faz parte [do ritual normal]”.

Os extremos não fazem parte de "Praxis", vencedor do prémio de melhor curta-metragem no Doc Lisboa em 2011. Sempre que chegava a uma faculdade, Bruno Cabral dirigia-se aos “doutores” e pedia autorização para filmar. O pedido foi quase sempre aceite - "Houve uma ou outra vez em que pediram para voltar noutro dia, em Évora só pudemos filmar uma vez e a noite de Coimbra foi mesmo barrada, disseram-me que nem imaginava o que podia acontecer".

Semelhanças entre faculdades
A palavra praxe surge pela primeira vez em 1863 e começa por ser uma prática na Universidade de Coimbra; hoje, é um ritual “que se generalizou em todas as universidades”. Durante as filmagens, uma das coisas que mais surpreendeu Bruno e Carlos Isaac, da direcção de fotografia, foi a semelhança dos rituais entre diferentes universidades: "O tipo de cerimónia, jogos e palavreado era muito parecido entre faculdades, muito mais do que o que estava à espera."

Para Bruno, havia um grande desafio: fazer com que as pessoas que estão mais envolvidas nas praxes conseguissem ver-se com algum distanciamento através no filme. E levar à reflexão: "Por que é que alguns [alunos] sentem mesmo necessidade deste tipo de processos para se integrarem nas universidade? É claro que há muitas formas de integração nas universidades, a praxe é apenas uma delas".

Na Escola Superior de Teatro e Cinema que Bruno Cabral frequentou não existia praxe. Mas, e se tivesse existido? "Se fosse nesta base de os mais velhos me obrigarem a fazer coisas que não acho que sejam muito interessantes para desenvolver um espírito crítico e de reflexão, provavelmente até me oporia."

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Que se passa no Ensino Superior? (5)

Há mais alunos a desistir do ensino superior devido à crise
24.01.2012, Público, Samuel Silva

Cerca de 3300 alunos já cancelaram a sua inscrição no ensino superior desde o início deste ano lectivo. Os dados dizem respeito a apenas metade das universidades, ainda que estejam contabilizadas as maiores instituições. As dificuldades económicas dos estudantes estão na base de muitas das desistências, reconhecem os responsáveis académicos. A dificuldade de acesso a bolsas de estudo e o aumento das propinas criam ainda mais problemas, alertam as associações estudantis

Estes 3300 abandonos representam um aumento de 6% face ao registado em igual período do ano passado nas mesmas instituições. Os dados foram recolhidos pelo PÚBLICO junto de sete universidades, metade da oferta nacional, mas incluem as maiores academias. Só a Universidade de Lisboa concentra mais de um quarto das desistências. Na Clássica, 870 estudantes pediram o cancelamento da matrícula desde Setembro, um número que é considerado pelos responsáveis da instituição como "ligeiramente superior" face ao registado há um ano.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Que se passa no Ensino Superior? (4)

Alunos do ensino superior voltam a ter crédito bancário
O sistema de crédito bancário aos estudantes do ensino superior, suspenso desde o início do ano letivo, vai ser retomado.

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) anunciou hoje o reinício do sistema de crédito bancário com garantia mútua a estudantes do Ensino Superior suspenso desde o início do ano letivo.

Ao abrigo da linha de crédito com garantia mútua para estudantes do Ensino Superior, o Estado comprometeu-se, anualmente, a reforçar o fundo de contra garantia mútuo com o capital necessário para assegurar a sua continuidade.

A decisão de proceder à suspensão do sistema, adianta o MEC em comunicado, tinha resultado do atraso existente, desde maio de 2010, na liquidação do montante necessário à capitalização do fundo de contra garantia mútuo, desvio esse que foi identificado pelo atual Executivo em julho de 2011.

Desde essa data, o MEC manteve contactos com a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua com vista à reabertura da linha de crédito, tendo agora chegado a um acordo que, ao mesmo tempo que inicia a liquidação dos montantes em atraso, permite reativar o sistema, assegurando a manutenção das condições, nomeadamente o montante do crédito, o prazo de utilização e de reembolso, o período de carência e a taxa de juro.

Segundo o Ministério da Educação e Ciência, o sistema agora retomado permite aos estudantes financiar os seus estudos superiores, beneficiando de uma garantia prestada pelo Estado português, através do Sistema de Garantia Mútua, que dispensa a intervenção de terceiros, com uma taxa de juro baixa e um prazo alargado de reembolso.

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O Estado paga aos bancos para emprestarem dinheiro aos estudantes que não possam pagar os seus estudos e se estes não conseguirem pagar, paga o Estado. Quem fica a ganhar, quem é? Mais uma vez, os bancos!