terça-feira, 30 de setembro de 2008

Praxes: da proibição ao seu desrespeito

Na passada semana, após declarações retoricamente musculadas do ministro Mariano Gago (e com alguma promessa de acção mas “apenas” em caso de “abusos”), o presidente do Instituto Superior Técnico (IST) decidiu levar a ideia ao nível seguinte e proibir as praxes nas instalações do IST.

Seguramente não por ser feroz opositor da praxe, mas certamente por lhe cheirar a sarilhos em potência. Como ele com certeza sabe, e sabe bem, as praxes são um caldeirão em ebulição, palco das maiores irracionalidades e arbitrariedades que estudantes cometem a estudantes. O único controlo que há na praxe, e como muitas vezes repetem os praxistas, é o “bom-senso”. Ora, basta observar apenas 5 minutos de praxe para perceber que quando se mistura álcool, pressões de grupo, comportamentos de massas, sede de vingança, e ainda para mais quando tudo parece ser legitimado pelas pessoas e pelo meio, o apregoado “bom-senso” se perde pelo caminho e dá lugar aos comportamentos condenáveis e patetas que conhecemos.

Proibindo as praxes, em vez de as discutir e colocar em causa, o presidente do IST trilha o caminho mais fácil. Escolheu a melhor forma de fingir fazer alguma coisa, ao mesmo tempo que não altera nada: proibe-se aqui, mas faz-se já ali ao lado! E desta forma, em caso de problemas, pode sempre argumentar que não é da sua responsabilidade porque não autorizou as práticas. Tapa o sol com a peneira e sacode a chuva do capote!

Podendo à primeira vista parecer contraditório, o M.A.T.A. sempre manifestou a sua oposição tanto às praxes quanto às tentativas sobre as legislar ou proibir. Se por um lado pensamos que regular as praxes por decreto na tentativa de impedir os excessos é impossível (dada a sua natureza sempre violenta e sempre arbitrária), por outro sempre nos manifestamos contra a sua proibição por acreditarmos que recusar a praxe deve partir de uma escolha individual e colectiva e tendo por base uma discussão alargada na escola e na sociedade. Para nós a questão nunca foi impedir as pessoas de participarem na praxe, mas sim de criar toda uma vivência e ambiente que façam com que as pessoas queiram elas próprias recusar participar na praxe e a condenem. E é esse desafio, difícil e trabalhoso, que o presidente do IST se absteve de abraçar. “Daí lavo as minhas mãos” diz-nos ele.

P.S. - No final deste texto, é já sabido que a Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL) decidiu trilhar o mesmo caminho, tomando a mesma medida. Tal como no IST, um pequeno passeio pelas instalações permite-nos perceber o quão “para inglês ver” esta medida se está a revelar. Outras medidas e outras respostas são necessárias. Concretizando e propondo: assumir que as praxes não são manifestações bem-vindas na escola, disponibilizando informação aos alunos aquando da sua inscrição; promover e apoiar acções de integração alternativas como exposições, convívios, actividades culturais, passeios por Lisboa, estruturas de apoio aos estudantes recém-chegados, ... ; organizar o confronto de ideias com a praxe (melhor forma para a desacreditar) através de debates e sessões de esclarecimento; dar seguimento jurídico e apoio psicossocial a todas as pessoas que se queixem e sejam vítimas da praxe. Acima de tudo importa perceber a cada momento quais são as necessidades e as vontades dos alunos da faculdade e da comunidade escolar e com tod@s construir essas respostas.

Vitor Ferreira

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Diz-se que a festa é feita para "receber", mas é organizada pela Super Bock

Estudantes em “flagrante delitro” na semana em que as praxes voltaram à agenda
Público,26-09-08


A festa dedicada aos caloiros no arranque do ano universitário não está directamente ligada às praxes. Não as promove, mas também não as proíbe. Por isso, é inevitável ver chegar grupos de caloiros acompanhados pelos novos colegas orgulhosamente trajados a rigor. Gritam, fazem-se ouvir e cantam músicas, de gosto mais ou menos duvidoso.

Esta semana, o tema das praxes voltou a ser falado depois da recomendação enviada às universidades pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e da proibição de fazer praxes decretada pelo presidente do Instituto Superior Técnico. No meio do turbilhão de capas pretas há uns mais atentos do que outros à polémica, mas, no final, o discurso é sempre o mesmo: “Os caloiros estão aqui porque querem, nós não obrigamos ninguém a ser praxado. Damos-lhes uma boa oportunidade para fazerem coisas que nunca pensaram, como gritar e fazer palhaçadas no meio da rua”, defende Sofia que frequenta o 2º ano de Medicina da Universidade de Lisboa. “Desenvolvem amizades e ligações fortes que duram durante o curso porque vivem momentos únicos e fortes de união”, justifica ainda a estudante.


Há mais coisas curiosas na notícia: para quem não saiba, ainda há quem acredite que o "Código da Praxe" é mesmo um "documento" regulador de alguma coisa. Será que regula, por exemplo, que uma pessoa que acabou de entrar na faculdade não seja alvo de insultos piores que "verme" ou "besta"? Ou regula que os estudantes da mesma Universidade têm estatutos diferentes, mas não mais diferentes do que o que está escrito?

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O que se vai vendo nas praxes

Este é o primeiro de uma série de relatos (para a qual esperamos todas as contribuições que por aí houver) do que se vai vendo nas praxes.
Se há quem insista a dizer que é divertido, basta estar com um pouco de atenção e facilmente se percebe que o tédio e a desilusão (para quem ainda estava iludido) é o que mais se vê por aí.

Ponnette escreveu: «As praxes de hoje ao meu lado, aqui na janela, consistem no seguinte: há um grupo de praxados há mais de uma hora e meia de pé, com as mãos atrás das costas, a olhar para o chão. Os veteranos estão um pouco ao lado a beber cervejas e jogar futebol e nem sequer olham para os "caloiros". (...) Apetece-me gritar-lhes: "Vão-se embora! Está um dia tão lindo! O que é que estão aí a fazer?!"Também era bom ter aqui uma câmara. Para filmar o nada. Quer dizer, um nada cheio de conteúdo, de ideologia e de horror.»

Mais tarde Ponnette enviou novo mail onde dizia: «Ah, e agora já deixou de ser há "mais de uma hora e meia" para "mais de duas horas". Eles ainda ali estão. Sem fazer nada! É mesmo verdade. Em pé. Os "veteranos" estão a jogar à bola e à apanhada em frente a eles. É isto que se passa. Os que estão de plantão já dobram as pernas, agarram o pescoço, estão cheios de dores no corpo. E o mais incrível disto tudo... é que NÃO SE VÃO EMBORA!!! E uma coisa garanto: se eu lhes fosse perguntar, era IMPOSSÍVEL eles dizerem que a praxe não tinha sido uma seca. Eles estão há duas horas de pé, sem fazerem nada e com um ar bué enfadado. Não podem falar uns com os outros sequer, mãos atrás das costas, coçam-se a medo.»

Isto passa-se na Cidade Universitária em Lisboa.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Agora a Cidade Universitária está mais bonita!

Murais pintados na noite de 21 de Setembro de 2008!


Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa




Cantina do ISCTE (nº2) na Cidade Universitária

sábado, 20 de setembro de 2008

Praxes ou Pré-xes?

Acabou ontem a semana de inscrições nas faculdades, por entre vozes que diziam "Estou um bocado nervosa" ou "É uma mudança na minha vida" .

Desculpa? As praxes ainda não começaram?
Então e os gritos "IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIINNNNFORMÁAAATIIICAAA!!!!" e os " Sexo, Orgia, só em Geografia (ou Sociologia, ou Agronomia, ou Psicologia, ou qualquer curso acabado em "ia" - que não são poucos)" que não descansaram a Cidade Universitária?
Ou isto ainda não é praxe mesmo? Se calhar, agora, praxar é "sensibilizar" para a doação de medula óssea ou "sensibilizar" para questões ecológicas.

Realmente a "tradição" está muito mudada! (Um dia destes alguém se apercebe disso e começa a chamá-la "inovação"...)


terça-feira, 16 de setembro de 2008

As cedências à praxe

Grupos de estudantes correm por estes dias às filas das matrículas nas universidades para ameaçar os recém-chegados com brincadeiras da «Praxe», em nome da integração. Especialistas alertam os mais novos que entrar na brincadeira é voluntário e que mesmo depois há limites

Marco Pinto Barreiros, especialista em psicologia social e das organizações, realça que este género de comportamentos surge «no cumprimento de uma das necessidades mais básicas do ser humano que é a de se sentir parte de um grupo».

«Os limites de cada um são diferentes, mas todos estamos dispostos a ceder alguma coisa e por isso é que estamos a ver jovens que até descreveríamos como tendo uma personalidade forte a submeterem-se a determinados comportamentos que podem ser descritos como humilhantes, com o simples propósito de virem a fazer parte de um grupo», explicou à Agência Lusa.

Pinto Barreiros sublinhou ainda que «as praxes são levadas a cabo por um grupo de estudantes e todos sabemos que as pessoas ultrapassam um bocadinho os seus limites, na medida daquilo que normalmente são capazes de fazer, quando estão em grupo».

Na óptica da «vítima», muitas vezes o que sucede também é que «as pessoas acabam por perpetrar comportamentos que não fazem parte da sua paleta habitual de comportamentos e isso acaba por gerar posteriormente uma situação de revolta».

«Tentam voltar para trás e geralmente é tarde, já há um sentimento de turba criado naqueles que estão a executar a praxe e que normalmente não deixam ou deixam com muita relutância que a praxe pare ou seja interrompida», sublinhou.

Para o especialista o importante é que quem vai submeter-se à praxe saiba exactamente o que lhe vai acontecer, de forma a pesar os prós e os contras, para escolher livremente submeter-se ou não, porque depois de iniciado o processo é mais difícil «controlar a massa humana constituída».

O especialista em Direito Constitucional e professor universitário Jorge Miranda considera que «a praxe em si, entendida como uma forma de integração do aluno na escola, não é mau».

«O problema é quando acontecem, como têm acontecido nos últimos anos, casos em que as praxes se tornam violentas, contrárias à dignidade da vida humana, usam processos que são contrários à vontade das pessoas, até sob formas pornográficas absolutamente inadmissíveis, em que grupos de estudantes põem em causa direitos liberdades e garantias de outros estudantes», destacou.

O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior anunciou no passado dia 10 que será dado conhecimento ao Ministério Público de qualquer «prática de ilícito» nas praxes e serão utilizados os meios necessários para responsabilizar civil e criminalmente quem não evitar os danos ocorridos, conforme escreveu numa carta enviada a todas as instituições de ensino superior públicas e privadas.

Jorge Miranda destaca que qualquer aluno tem desde logo o direito de não querer estar sujeito a qualquer tipo de praxe e o direito de não estar sujeito a praxes com violência, abusos sexuais e outras tentativas de degradação da pessoa.

«Em primeiro lugar ninguém pode ser obrigado e no caso de a pessoa aceitar, a praxe tem de se desenvolver dentro dos limites aceites pela própria pessoa», acrescentou, salientando que «não pode servir para justificar verdadeiros crimes que estudantes comentem sobre outros estudantes».

Para Ana Feijão, do Movimento Anti-Tradições Académicas (MATA), tem havido desde 2003 mais atenção para os abusos na praxe, devido a casos ocorridos no Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros e em Santarém, mas situações em que estudantes ultrapassam os limites continuam a existir.

«Tem havido uma linguagem mais moderada, mesmo dos praxistas, mas os casos de exagero continuam a existir porque são baseados num sistema em que há uma hierarquização e não uma verdadeira integração» do novo estudante, destaca esta responsável do movimento MATA, salientando que a praxe, em muitos casos, «nem sequer é uma verdadeira tradição porque só surgiu nos anos oitenta».

«Querem fazer parte do estereótipo do estudante, vestir aquele fato, sair às quintas-feiras para o Bairro Alto ou equivalente noutras cidades e pensam que é assim, porque a própria escola não lhes dá outras alternativas de integração», disse, salientando medidas adoptadas pelo Instituto Politécnico de Leiria, entre as quais a criação, em 2003, de um Provedor do Caloiro, para apoiar os novos estudantes, e um regulamento com normas para os actos de praxe no Campus.

«A simulação de actos sexuais, por exemplo, muita gente não acha nada de mal porque está vulgarizado nos meios académicos», disse.

Filipe Santos é responsável na Academia de Lisboa por uma equipa que está a elaborar o primeiro Código de Praxe a englobar todas as tradições das faculdades das «cinquenta e tal» instituições de ensino superior da cidade.

«Esse trabalho está a ser feito e está a ser difícil, muito complicado mesmo. Cada faculdade terá a sua tradição e não quer de alguma forma perder a cultura que tem», disse.

Destacando que não existe em Lisboa uma única comissão de praxe de forma que cada faculdade faz o seu trabalho individual, refere que a comissão está «a trabalhar para que todas as situações mais anómalas sejam prontamente resolvidas» porque tem de «existir um elemento mediador para todas as questões que possam surgir».

«Todo o novo código está pensado para que todos os abusos e situações mais anómalas sejam punidas visto que a praxe não passa por uma vingança, tem um espírito integrante e é para isso que deve existir. Doutra forma não faz sentido», considerou, admitindo que este documento possa estar nas faculdades «não este, mas durante o próximo ano».

Rosário Salvado, Lusa

sábado, 13 de setembro de 2008

O que é a praxe? Resposta de Mariano Gago

"A degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve pois ser eficazmente combatida por todos, estudantes, professores e, muito especialmente, pelos próprios responsáveis das instituições"

(carta enviada pelo ministro Mariano Gago, no dia 10 de Setembro, a todas as instituições de ensino superior públicas e privadas)