quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Que se passa no ensino superior? (3)

Associações académicas protestam contra sistema de atribuição de bolsas
Texto de Lusa, 20/12/2011

Associações de Estudantes do Ensino Superior iniciam protesto de três dias contra o sistema de atribuição de bolsas


As Associações de Estudantes e Académicas do Ensino Superior iniciam hoje, 20 de Dezembro, três dias de protesto contra o sistema de atribuição de bolsas, culminando na quinta-feira com uma acção de sensibilização no Parlamento.

A 10 de Dezembro, reunidas em Braga num Encontro Nacional de Direcções Associativas (ENDA) extraordinário, as associações estudantis aprovaram para hoje, quarta-feira e quinta-feira acções públicas como “forma de protesto” contra o actual Regime de Atribuição de Bolsas para o Ensino Superior, sob o mote “o Natal está negro”.

Em declarações à Lusa, o presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Luís Rebelo, alertou que “com os contínuos atrasos no pagamento das bolsas, com as famílias a passar mais dificuldades, com os cortes salariais, com a taxa de desemprego e quando o sistema de acção social não consegue dar resposta a estas problemáticas sociais, naturalmente haverá mais pessoas a abandonar o ensino superior”, tendo este número já ultrapassado os seis mil estudantes este ano lectivo, em termos nacionais.

As acções começaram hoje “com a divulgação de uma imagem corporativa que faz referência a um natal difícil por parte dos estudantes do ensino superior”, sob o mote ‘o Natal está negro’, sendo esta uma “imagem muito marcada, com a presença muito forte da cor preta” que vai estar presente nos jornais, redes sociais, nos sites institucionais das associações académicas e de estudantes.

“Na quarta-feira teremos acções de sensibilização a nível local que passarão, em muitas cidades, pela colocação de árvores de natal com faixas negras, fazendo alusão a essa frase de que o Natal está negro no ensino superior. É uma acção que se vai replicar em diversas cidades: Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Setúbal, Faro”, anunciou o dirigente estudantil.

Acção na Assembleia da República
Segundo Luís Rebelo, para quinta-feira está marcada “uma acção única a nível nacional, em que os dirigentes associativos, em representação dos estudantes do ensino superior, se deslocarão a Lisboa para uma acção de sensibilização na Assembleia da República, que passará também por uma vigília, fazendo alusão aos mais de seis mil estudantes que, pelas contas das instituições, já abandonaram o ensino superior” este ano.

“Também faremos uma paragem na secretaria de Estado do Ensino Superior para sensibilizar para estes problemas. Mais uma vez os atrasos crónicos na atribuição das bolsas de estudo. É impensável que, ano após ano, as pessoas continuam a receber as bolsas extremamente tarde”, condenou.

Para o presidente da FAP “os atrasos são o problema mais crónico do processo de atribuição de bolsas”, sendo também feita “alusão à questão dos estudantes do primeiro ano que, ao contrário de todos os outros, só tiveram uma única fase para fazer o requerimento à bolsa de estudo”.

“Durante a tarde de quinta-feira faremos também, na Assembleia da República, a entrega de um pequeno manifesto aos partidos que estiverem disponíveis para receber, no qual daremos conta de algumas posições do movimento associativo face ao actual ano e aos actuais procedimentos de requerimento de bolsa de estudo”, antecipou.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Que se passa no ensino superior? (2)

Cortes levam universidades a apostar em donativos de alunos

Texto de Samuel Silva 26/11/2011
Pedir dinheiro a alunos e ex-alunos é uma das soluções que as instituições de ensino superior estão a começar a explorar como alternativa aos cortes do financiamento público. A Universidade do Porto (UP) será a primeira a criar um gabinete de angariação de fundos, em 2012. Em projectos mais específicos, há outras instituições nacionais a enveredar pelo mesmo caminho.

A instituição em que esta modalidade de financiamento alternativo ganha principal expressão é a UP, que está a ultimar a criação de um gabinete de angariação de fundos. O objectivo é "profissionalizar" o contacto com os potenciais interessados, especialmente os antigos alunos, estreitando a relação com estes e tentando explorar o sentimento de "gratidão" com a universidade em que se formaram.

A UP vai criar, em Janeiro de 2012, uma estrutura dependente da reitoria dedicada apenas a esta função. O modelo de funcionamento estará definido até ao final do próximo mês e, em breve, duas ou três pessoas vão começar os contactos com os antigos estudantes.

Antigos alunos são alvo preferencial
A criação deste gabinete de angariação de fundos surge na sequência de uma primeira experiência bem-sucedida na instituição. No início de 2011, a universidade desafiou a comunidade académica a contribuir para o financiamento das comemorações do seu centenário. "Os resultados foram muito interessantes", salienta Raul Santos, coordenador do projecto. Mais de 600 pessoas responderam ao apelo com uma média das contribuições de 100 euros. Ao todo, foram angariados cerca de 50 mil euros.

O financiamento das universidades através de donativos de ex-alunos é prática corrente nos países anglo-saxónicos. Só nos EUA, estima-se que estas receitas representem anualmente mais 20 mil milhões de euros nos cofres das universidades. E as instituições portuguesas começam agora a olhar para esta fonte de receitas como alternativa aos cerca de 600 milhões de euros a menos que vão receber do Orçamento do Estado.

Em 2010, quando foi preciso reabilitar a torre da Universidade de Coimbra, a instituição pediu ajuda aos antigos estudantes. Recebeu cerca de 10% dos 300 mil euros que custaram as obras de donativos de particulares - os restantes foram pagos por uma instituição bancária.

Que se passa no Ensino Superior?

Dificuldades económicas forçam desistências no Ensino Superior
Novo regulamento das bolsas de estudo pode vir a agravar número de desistências
Texto de Ana Chaves 06/12/2011

O número de estudantes que abandona o ensino superior terá tendência a aumentar. Marta Coelho, de 22 anos, conhece bem as dificuldades de prosseguir os estudos com dificuldades económicas. Iniciou o percurso académico aos 17, mas já foi obrigada a interrompê-lo várias vezes.

Em 2006 ingressou na Licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Com uma situação financeira débil, Marta conta que havia períodos em que não conseguia comparecer às aulas por não ter dinheiro para almoçar.

A residir em Santa Maria da Feira, a prioridade no início do mês era tirar o passe. Quando tinha aulas todo o dia a solução era almoçar na faculdade. Porém, dias existiram em que “nem um euro tinha na carteira.” Era uma amiga que a ajudava: “Quando me emprestava cinco euros, eu almoçava na cantina e o que sobrava levava para casa. Dois euros e meio já davam para o meu pai pôr gasolina e ir trabalhar.”

Nunca reprovou a nenhuma cadeira. Acompanhava as aulas com os documentos que os professores disponibilizavam e mesmo com estes percalços formou-se com média de 16 valores.

"Se não fosse a bolsa, não tinha tirado o curso"
Com um agregado familiar numeroso, Marta e as irmãs sempre tiveram bolsas de estudo ou bolsas de mérito. Quando terminou a licenciatura viu-se obrigada a parar durante um ano. Fazia trabalhos esporádicos e tentava amealhar dinheiro para um dia voltar a estudar. E assim foi.

Actualmente é mestranda em Sociologia na FLUP, mas desta vez não conseguiu sequer frequentar as cadeiras do primeiro semestre. Resiliente, e com receio de ter de protelar os sonhos uma vez mais, envia currículos para todo o lado. “Eu só quero um trabalho, já nem peço o Euromilhões, nem sequer um emprego. Gostava de chegar ao fim do mês com algum dinheiro, pouco ou muito... tanto faz.”

"Percebi que não podia continuar"
Já Carolina Araújo, de 23 anos, não teve o mesmo destino. Frequentava o terceiro ano da licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, mas a crise acabou por ditar um término definitivo.

Em entrevista telefónica ao P3, Carolina, que não era bolseira, percebeu, durante uma conversa com o pai, que não podia continuar na faculdade, ainda que estivesse no último ano.

Nunca chegou a pedir ajuda, embora o pai tenha precisado de contrair empréstimos. Foi ao cinema, diz, duas ou três vezes e não comprava "bens pessoais" como roupa, por exemplo. Entre outras medidas de austeridade, almoçava sempre em casa, fumava menos e evitava tirar fotocópias: "Perguntava aos professores se não podiam pôr [a matéria] online, porque as fotocópias eram muito caras."

Actualmente, Carolina é administrativa, reside em Lisboa e emigrar não faz parte dos seus planos - pelo menos a curto prazo. Não pensa, também, voltar à faculdade, mas tem pena de não poder trabalhar na área da comunicação.

O novo regulamento das bolsas de estudo pode agravar o cenário: cerca de 30 mil pedidos foram indeferidos. Em 2012 a situação deverá agravar-se, consequência dos cortes que ultrapassam os 178 milhões de euros no Ensino Superior. Segundo o Diário Económico, em Janeiro e Fevereiro de 2011, os cancelamentos de matrículas e desistências aumentaram em 20%, valor que ultrapassa os números registados em todo o ano de 2010.