sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Continua tudo "normal" na praxe

Os acidentes vão surgindo - caloira fica inanimada e vai parar ao hospital. Acontecem em situações aparentemente normais - ela apenas estava a cantar. Os colegas levam-na a casa e a mãe encontra-a inanimada no chão. Os mesmos colegas fazem um comunicado, em conjunto pois eles fazem tudo em grupo (não são individualmente responsáveis, e em grupo a responsabilidade perde-se), onde dizem que tudo foi "normal". E nós sabemos que até nas coisas "normais" os acidentes acontecem, portanto, não deve haver problema nenhum. Mas as denúncias começam a surgir. Um colega fala em grande agressividade verbal e exaustão física. O jornalista (e todas as outras pessoas que quiserem ver) assiste a uma dessas praxes normais e regista os impropérios ofensivos e o excesso físico da praxe. A direcção também fala em excessos e chama a atenção dos estudantes. Os excessos, como toda a gente sabe, não fazem parte do normal. Mas, também como todos sabemos, tudo vai continuar na mesma e os acidentes vão continuar a surgir.
Podem morrer pessoas, ou ficar paraplégicas, com comas alcoólicos ou raparigas ser violadas, mas tradição é tradição e não pode morrer... e os excessos? Não fazem parte da juventude, hã?



Caloira acaba no hospital de Beja depois de praxe

Uma jovem estudante ficou, na quarta-feira, inanimada depois de ter participado numa praxe académica, tendo dado entrada no serviço de urgência do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja. Encontra-se, desde então, nos cuidados intensivos com prognóstico reservado.

Na manhã daquele dia, os veteranos do curso de Gestão de Empresas da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Beja (ESTIG), que integra o Politécnico desta cidade, resolveram praxar um grupo de caloiros. No decorrer da acção, a jovem sentiu-se mal quando "apenas estava a cantar com os restantes colegas", explicaram os praxantes.
Num comunicado divulgado pelo curso de Gestão de Empresas da ESTIG, lê-se que "a colega não executou qualquer tipo de esforço físico ou foi sujeita à prática de qualquer praxe psicológica".
A porta-voz da unidade hospitalar adiantou ao PÚBLICO que foram os colegas que a levaram para casa depois da praxe, onde ficou a descansar. Mas quando a mãe chegou junto dela estava "inanimada no chão".
Foi levada de urgência para os cuidados intensivos onde permanecia ontem em observação "com prognóstico reservado".
Não é a primeira vez que a realização de praxes no Politécnico surge associada a comportamentos considerados excessivos e são marcados, como contou ao PÚBLICO um jovem que já frequentou a Escola Superior Agrária de Beja, "por grande agressividade verbal" que acompanha a execução de actividades físicas que "deixam [os caloiros] em estado de grande exaustão".
Os visados nas críticas garantem que "têm sempre um especial cuidado com as necessidades básicas e essenciais dos colegas praxados, procurando sempre saber qual o seu estado tanto físico como moral" antes de iniciarem a "integração" dos caloiros. Garantiram ainda que a jovem em causa "foi sempre questionada sobre o seu estado de saúde", e que "nunca informou" os responsáveis pela praxe de qualquer tipo de problema.
O comunicado refere que "a situação decorre de um problema de saúde da aluna" e que a colega "não executou qualquer tipo de esforço físico ou foi sujeita à prática de qualquer praxe psicológica".
O PÚBLICO assistiu a uma dessas praxes. Na mata municipal perto da ESTIG, um jovem foi obrigado a fazer flexões com as pontas dos pés e as mãos apoiadas em tijolos rodeado de veteranos e veteranas que o visavam com impropérios ofensivos. Quando terminou o "exercício", estava completamente exausto e alagado em suor e com dificuldade em aguentar-se de pé.
Aldo Passarinho, da direcção do Politécnico, garantiu, através de comunicado, que foram cometidos "os excessos" e que mais ninguém será praxado este ano. A presidência do Politécnico "chamou a atenção" dos estudantes para o seu comportamento incorrecto, acrescentou.