sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Mais sobre os protestos em Itália (2)

De novo, via 5dias.net, um relato de Laura Dias.

Ontem, dia 14 de Dezembro, Itália, mas principalmente Roma nunca esteve tão bela!
Para os estudantes, professores e investigadores o dia começou cedo na capital. Pelas 10h30 da manhã estes juntaram-se na Piazza Aldo Moro, perto da Universitá Degli Studi di Roma “La Sapienza”, onde se iniciou o cortejo. Estavam presente pessoas de toda a Itália, de Génova a Nápoles. O percurso do cortejo pretendia dirigir-se para as imediações da câmara dos deputados, onde se votava a moção de censura ao Governo de Berlusconi. Pelo caminho, foram-se inserindo dentro de cortejo outros grupos como por exemplo a CGIL (CGTP italiana), a FIOM (Federazionem di Operai Metalurgici), grupos de defesa da água, cidadãos de L’Aquila ou simplesmente cidadãos descontentes com o que está a suceder em Itália, mostrando que apesar de terem motivos diferentes para lutar, o objectivo era o mesmo: demonstrar o descontentamento face ao governo corrupto. Chegando à Piazza Venezia, próxima da câmara dos deputados, assisti aos primeiros confrontos entre protestantes e polícias, visto que os manifestantes queriam tentar furar a barreira policial para se puderem fazer ouvir (literalmente) pelos deputados que se encontravam em discussão e que estavam “protegidos” dos protestos pelos bloqueios policiais.
Mais ao menos na mesma altura correu a informação de que a moção de censura tinha sido reprovada por três votos, circulando assim um sentimento de desânimo entre os protestantes mas não de derrota. Sendo assim, a manifestação prosseguiu o seu caminho, com o intuito de chegar a uma outra estrada que dá acesso à câmara dos deputados, desta feita a escolhida foi a famosa Via del Corso. Quando parte de nós ia a caminho dessa rua, comecei a ver os primeiros sinais da “revolução”, ao avistar fumo preto, que constatei depois ser um carro incendiado. Nessa altura a pressão subiu de tom e parecia que a qualquer momento a polícia ia aparecer e “varrer tudo a eito”. Apesar disso, o protesto continuou e chegada à rua que dava acesso à Piazza del Popolo, que consequentemente dá acesso à Via del Corso deparei-me com um cenário único, que jamais imaginei ver em Roma. A rua e no fundo a praça tinham-se tornado em campos de batalha entre manifestantes e polícias, tendo sido criadas barricadas por parte dos manifestantes, de forma a defenderem-se melhor da polícia. Obviamente que tiveram que usar as poucas armas que tinham e foi por isso que muitos objectos foram incendiados, para possibilitar a criação de uma barreira entre a polícia e os manifestantes. A certa altura, ouvi alguém dizer que na Via del Corso e na Piazza del Popolo não se encontravam apenas polícias e Carabinieri, mas também o exército, o que demonstra claramente a violência exercida pelas “forças de ordem”, contudo eu só consegui avistar os Guardia di Finanza, que é um corpo especial da polícia italiana.
Nós que nos encontrávamos no cimo da rua começamos a criar cordões para nos podermos defender quando as barricadas fossem destruídas. No entanto, e devido à confusão a certa altura foram atiradas bombas de fumo que não consegui perceber se foram os manifestantes que estavam mais à frente a fazê-lo, devido ao caos que estava ou se foi a polícia. Nesse momento, a parte do cortejo que restava dispersou por várias estradas e acabámos por penetrar na zona conhecida como a área rica de Roma (do lado direito do rio Tibre). Após alguns minutos, a calma estabeleceu-se, mas como a manifestação se tinha dispersado, não foi possível continuar o protesto, até porque já não podíamos avançar para a Piazza del Popolo ou Via del Corso porque os acessos estavam impedidos. Foram presas cerca de cinquenta pessoas pelo facto de se oporem à política corrupta de Berlusconi e por terem decidido exercer o seu livre direito de manifestação [Ver vídeo].

Eu assisti à revolta dos estudantes italianos e não como ouvi na televisão italiana que eram os delinquentes, os desordeiros que estavam a revoltar-se. Penso que para muitos italianos já chega de repressão, já chega de corrupção, já chega de bloquear o futuro (o caso dos jovens), já chega de democracias aparentes e os acontecimentos de ontem mostraram isso mesmo. As pessoas chegaram ao limite da paciência e ontem saíram à rua em força. Agora, esperamos nós que o dia de ontem tenha sido o início. Prevê-se uma discussão da reforma da educação na câmara dos deputados nos dias 21 e 22, será que vamos voltar a ver Roma a ferro e fogo? Por fim, queria salientar ainda, que os estudantes (na sua maioria) manifestaram-se autonomamente, sem intenções partidárias por trás. Será que é a autonomia que nos falta?
Laura Dias

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

menos bolsas = mais pedidos de empréstimos bancários

Enfim, a juntar à triste realidade que vivemos quando se fala em financiamento do ensino superior e dos apoios aos que menos os podem suportar (ver post anterior), temos esta notícia, que mostra um dos resultados da política que tem sido seguida: o endividamento dos estudantes - os futuros precários ou desempregados ou, qualquer dia, futuros trabalhadores sem direito a reforma porque já não existe ou porque... morrem de velhice antes.
O Estado, pela mão do governo, desresponsabiliza-se de um dos seus mais básicos deveres: o Ensino dos seus cidadãos. Os bancos, esses, aproveitam para fazer dinheiro à custa dos que vivem na crise que eles próprios, os bancos, provocaram (lembram-se?).
Façamos comissões universitárias. Organizemo-nos e lutemos por aquilo que é nosso por direito! Vamos para a rua!


Já há 12 mil alunos a recorrer ao crédito para financiar cursos
Andrea Duarte, Diário Económico online
Os bancos já concederam mais de 140 milhões de euros em crédito a alunos do ensino superior.

Pode ser por não ter dinheiro suficiente para começar ou para acabar a licenciatura. Pode ser porque já trabalha e quer fazer um mestrado. Mas a razão que o leva dirigir-se ao banco não é tão incomum: 12.190 estudantes do superior já o fizeram. E contraíram empréstimos de valor superior a 140 milhões de euros. Os dados são do Sistema Nacional de Garantia Mútua (SPGM - Sociedade de Investimento), a entidade que funciona como "holding" deste sistema.

Este é um número que a especialista em financiamento do ensino superior, Luísa Cerdeira, considera "diminuto" face à população total dos alunos do ensino superior português, cerca de 370 mil, ou seja, apenas "representa perto de 3% dos estudantes portugueses". No entanto, lembra Luísa Cerdeira, "para um sistema que foi criado em 2007, há um certo sucesso no modo em que tem crescido anualmente". Isto é, há um público-alvo, "que não tem recursos ou tem algumas dificuldades conjunturais e recorre a essa modalidade, que tem um limite por ano e que, como tem o Governo como fiador, é versátil, já que as instituições bancárias respondem com alguma rapidez". Luísa Cerdeira lembra ainda que há uma grande coincidência entre bolseiros e alunos que pedem empréstimos.

Belmiro Cabrito, investigador da Universidade de Lisboa, considera que "os empréstimos existem a dois níveis: para responder aos problemas financeiros dos alunos e mesmo dos bolseiros ou então para promover a autonomia". Quando os bolseiros pedem empréstimos, "partem de situações económicas, culturais e sociais piores do que os outros e por causa disso ainda são penalizados em termos de juros", diz Belmiro Cabrito.
Carlos Maio, do SPGM - Sociedade de Investimento, acrescenta que "apenas para 45 empréstimos, dos mais de 12 mil concedidos, o Sistema Nacional de Garantia Mútua foi chamado a cumprir o seu papel de entidade caucionadora". Ou seja, estes 45 empréstimos, num valor "que ronda os 230 mil euros", representam uma taxa de incumprimento "baixa", de cerca de 0,37%.

O Crédito Agrícola, no entanto, acusa uma taxa de incumprimento de 2%. E considera "possível" que esta taxa suba, já que "à medida que os empréstimos deixem de estar na fase de utilização com carência de capital e entrem na fase de pagamento total de capital e juros, é provável que se sinta um ligeiro aumento do incumprimento". Os outros bancos recusam divulgar a taxa de incumprimento deste produto. O Santander Totta justifica que "só este ano é que a maioria dos estudantes termina os seus cursos, beneficiando, para já de um ano de carência de capital".

No entanto, para Luísa Cerdeira, poderá haver dificuldades da parte dos estudantes em reembolsar estes empréstimos. Apesar de haver, para esta especialista, "um grande sentido de responsabilidade, para pagar esse encargo", os diplomados do ensino superior vão entrar para um mercado de trabalho em crise. "Numa conjuntura muito desfavorável, é provável que demorem mais tempo a terem o rendimento para fazerem esse reembolso", considera Luísa Cerdeira.

Segundo o SPGM, num total de 11.058 créditos contratados, 9.307 correspondem a uma licenciatura. Os estudantes que pediram mais empréstimos são dos cursos de Enfermagem (683) e Direito (547). A maior parte dos empréstimos foram para pagar cursos no ensino superior público: 3.921 nas universidades e 2.172 nos politécnicos.

Banco a banco
BPI

"O número de empréstimos para Crédito Formação BPI com Garantia Mútua, até Outubro de 2010, foi de 706", diz fonte oficial do banco. Empréstimos que valem cerca de 9 milhões de euros e que viram, considerando apenas os meses de Setembro e Outubro, um crescimento de cerca de 43% face ao período homólogo. O valor mais pedido pelos estudantes aproxima-se do valor máximo permitido por cada ano de curso, cinco mil euros.
Crédito Agrícola
O Crédito Agrícola atribuiu, até agora, 99 empréstimos com garantia mútua. Destes, 2% estão em incumprimento, uma taxa que o banco considera que "é provável" que suba. Este ano foram concedidos 59 empréstimos e fonte oficial do banco adianta que "em 2010 verificámos uma procura superior". Os empréstimos a estudantes deste banco valem 1,3 milhões de euros e cada estudante pede, em média, 13 mil euros.
Santander Totta
"Desde 2007, financiámos mais de 3000 alunos, num total de aproximadamente 32 milhões de euros, sendo que, em média, cada aluno solicita um financiamento de 11.000 euros", diz fonte oficial do banco. O Santander deu crédito a cerca de 500 estudantes desde Agosto de 2010, o que traduz um "ligeiro aumento face ao período homólogo". O estudante médio é do ensino público e ingressa pela primeira vez numa licenciatura ou mestrado.

Estudantes do superior há quase dois meses sem bolsas de estudo definitivas

Notícia no Público online
9 de Dezembro de 2010, por Samuel Silva

A esmagadora maioria dos estudantes do ensino superior ainda não começou a receber o valor definitivo das bolsas de estudo. O Governo deu indicações às universidades para começarem a pagar os apoios em meados de Outubro, mas os alunos estão a receber apenas as bolsas mínimas. A Universidade do Minho é a única que está a transferir os montantes definitivos e confirma que as novas regras diminuem os apoios.

A análise dos processos de candidatura às bolsas de estudo está ainda a decorrer em quase todos os Serviços de Acção Social (SAS) das universidades e pode prolongar-se até ao início de Janeiro. Até lá, os estudantes recebem apenas 98,70 euros, o valor relativo à bolsa mínima, mesmo que tenham direito a um valor superior.

"Temos o processo quase fechado há 15 dias, mas, da forma como se está a mexer no sistema, a situação tem-se atrasado um pouco", afirma Amadeu Cardoso, administrador dos SAS da Universidade do Algarve [UAlg]. O mesmo responsável garante que, em anos anteriores, nesta altura, os estudantes da UAlg "já estavam a receber a bolsa definitiva".

O atraso verifica-se também na Universidade de Lisboa, confirma o administrador Luís Fernandes: "O processo de pagamento ainda não está em curso. Só foi pago, nos meses de Outubro e Novembro, um adiantamento aos cerca de 2500 alunos que foram bolseiros no ano passado."

A situação repete-se em todo o país. O gabinete do ministro da Ciência e Ensino Superior, Mariano Gago, reconhece que "é cedo" para conhecer dados finais sobre o número de estudantes que beneficiarão de bolsas.

O novo regulamento de atribuição de apoios foi publicado a 16 de Setembro. Um mês depois, Gago homologou as normas que definem os critérios de atribuição. As universidades têm, desde então, 90 dias, que terminam a 9 de Janeiro, para concluir a atribuição de bolsas de estudo.

A Universidade do Minho (UM) é a única que já pagou o valor definitivo das bolsas em Novembro e Dezembro. "Há vários anos que tentamos pagar no início do ano lectivo. Se não tivesse havido alterações, teríamos conseguido", assegura Carlos Silva, administrador dos SAS da UM.

A decisão de antecipar o pagamento do valor definitivo das bolsas foi tomada "a pensar nos estudantes", afirma Carlos Silva. "O atraso no pagamento das bolsas tem um impacto assustador na vida dos alunos. Grande parte deles precisa deste apoio para frequentar a universidade."

Para poder pagar mais cedo, a UM teve que começar também a trabalhar antes. Desde Agosto que os técnicos do SAS começaram a alargar a base de dados, incluindo todos os que pudessem entrar na fórmula de cálculo. "Quando foram publicadas as normas técnicas, estávamos em condições de dar seguimento ao processo de análise", explica Carlos Silva.

As bolsas pagas na UM confirmam os receios dos estudantes: as novas normas resultam em bolsas mais baixas. A bolsa de estudo média no Minho baixou de 216,23 para 198,57. O novo regulamento reduziu ainda o número de beneficiários. "Teríamos mais bolseiros pelas regras anteriores", afirma Carlos Silva.

O administrador dos SAS da UM desvaloriza, no entanto, o impacto do limite de património de 100 mil euros imposto aos candidatos à bolsa, estimando em um por cento o número de candidatos excluídos por força deste critério.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Mais sobre os protestos em Itália

Laura Dias, faz um relato na primeira pessoa, sobre os protestos em Itália.
Publicado aqui, reproduz-se integralmente em seguida.


Um relato da luta dos estudantes italianos – “SE NOS BLOQUEIAM O FUTURO, NÓS BLOQUEAMOS AS CIDADES!”


Desde o início do ano lectivo 2010/2011 que estudantes, professores e investigadores italianos têm protestado contra a reforma educativa que o governo vem tentando implementar. Esta reforma é basicamente um processo para acelerar a privatização da educação, visto que potencializa a livre entrada de privados dentro de um espaço que deveria ser público.


Mal o ano lectivo iniciou, sentiu-se um clima de protesto dentro da Universidade com aulas que tardavam a começar devido ao facto de professores e investigadores se recusarem a dar aulas, em forma de protesto. Já os estudantes preparavam desde o inicio o “Outono Quente”. Logo durante o mês de Outubro principiaram as manifestações e ocupações de facultades (como é o caso da Facoltà di Ingenaria dell’Università Degli Studi di Roma “La Sapienza” que está ocupada por investigadores e estudantes até hoje) ou momentaneamente de monumentos significativos para o país (exemplo do Coliseu de Roma). Contudo, foi a partir do dia 29 de Novembro que os protestos se intensificaram com ocupações em todas as universidades e de forma simultânea. No dia 30 de Novembro (dia em que se votou na câmara dos deputados a reforma da educação) todas as cidades italianas foram invadidas de protestos do mundo da educativo: estudantes, professores e investigadores caminharam lado a lado, bloqueando o trânsito e ocupando estações de comboios.


Para este dia, os estudantes da capital italiana tinham previsto uma manifestação que chegaria à Piazza Montecitorio, local onde se encontra a câmara dos deputados. Todavia, ao chegar à Via del Corso que é uma das avenidas principais da cidade e próxima da câmara dos deputados deparei-me com todos os acessos a esta praça bloqueados por carrinhas da polícia, demonstrando assim as intenções do governo italiano – reprimir o protesto. Com as ruas bloqueadas, os manifestantes realizaram um cortejo em volta desta praça tentando em vários momentos furar o bloqueio policial, contudo sem sucesso, visto que as armas da polícia e dos estudantes são diversas, uns têm gás lacrimogéneo que não tiveram problemas de atirar aos manifestantes e outros têm livros! Por isso, nesse momento a manifestação teve obrigatoriamente que recuar. No entanto e inesperadamente (para mim) os estudantes não desistiram e continuaram o protesto, mudando apenas o percurso. Dirigimo-nos assim para uma das estradas principais dando acesso ao centro de Roma, bloqueando assim o trânsito e cantando “Se nos bloqueiam o futuro, nós bloqueamos as cidades”.


Durante o bloqueio destas estradas muitos foram os condutores que saíram dos seus carros e aplaudiram os protestantes, demonstrado que o movimento estudantil é reconhecido e apoiado pela sociedade civil. No seguimento deste percurso (quase completamente espontâneo) os estudantes encaminharam-se para a estação de comboios principal (Termini) penso que com o intuito de poder de regressar às imediações da Piazza Montecitorio. Contudo quando estávamos a chegar à estação a polícia apareceu em força e entrou na estação de cassetete ao alto, claramente com intenções de agredir os estudantes. Dentro da estação ocuparam cerca de 10 terminais, impedindo que muitos comboios partissem, estando simultaneamente a defender-se da polícia que os procurava cercar. Felizmente no final saíram “ilesos”. No final deste dia e depois de toda uma discussão na câmara dos deputados, os estudantes esperavam o resultado da votação da reforma que lhes vai “bloquear” o futuro.


A reforma foi aprovada, caminhando assim para a sua aprovação quase absoluta, que será decidida dia 14 de Dezembro. Todavia, depois da suposta “derrota”, estudantes, investigadores e professores não baixaram os braços e continuaram até hoje os protestos. Nestas duas semanas seguintes, Itália foi invadida por ainda mais ocupações, por ainda mais protestos. Em Roma, um dos mais significativos foi um que sucedeu em frente à Fondazione Roma, museu romano gerido pelo banco UniCredit que é um dos interessados na privatização das Universidades, um dos interessados em fazer parte dos conselhos de Universidade, isto é, nada mais nada menos que o RJIES “à la italiana”. Mais uma vez um protesto foi fortemente reprimido, sendo cerca de 10 protestantes detidos.


Como estudante portuguesa que assiste em Portugal aos mesmos problemas dentro da Universidade que supostamente é Pública, questiono-me o porquê de o movimento estudantil praticamente não existir, o porquê da cegueira? Quando é que vamos deixar os brandos costumes, quando é que vão existir protestos de verdade, manifestações que não são convocadas em fim de mandato e com mão partidária? Quando é que me vou manifestar em frente do Satander? Quando é que em Portugal vai voltar a existir um movimento estudantil de verdade?


Aqui, prepara-se mais uma grande manifestação de estudantes, professores e investigadores para dia 14 de Dezembro, dia em que a reforma vai ser votada no Senado e dia de todas as decisões para o Governo italiano, visto que se decidirá a queda ou não do mesmo. Visto que para os estudantes essa é a única possibilidade de ver a reforma reprovada porque só assim a Universidade italiana poderá continuar a ser um bocadinho mais pública e mais acessível a todos.


Aqui os estudantes fazem-se ouvir de verdade e nós quando faremos?

Laura Dias

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Notícias dos protestos no Reino Unido (2)

Do Centro de Média Independente - Portugal chega-nos a seguinte notícia:

Um assalto ao futuro

12 de Dezembro de 2010
Conforme anunciado, mais de 30 mil estudantes marcharam, na passada quinta-feira, em direcção ao parlamento inglês, num protesto poderoso contra o corte de 40% do orçamento para as universidades, a duplicação (por vezes triplicação) do valor das propinas e a mercantilização da educação.
Tomaram a praça do parlamento num registo de raiva dirigida aos deputados que aprovariam a alteração da lei da educação, numa intenção clara de passar os custos da crise para cima dos de baixo. É a mesma política que corta apoios sociais, que despede funcionários, que congela ordenados, que privatiza tudo que pode... e a lista poderia continuar.
A polícia voltou à táctica do cerco da manifestações (onde não se pode entrar e de onde não se pode sair) e houve muitas detenções. Uma das técnicas mais criativas de tentativa de combate ao cerco policial foi a desenvolvida pelo Book Bloc.

A luta estudantil britânica insere-se numa resposta que uma geração começa a dar a quem lhe quer cortar o futuro, obrigando-os a endividarem-se para poderem estudar, cortando-lhes nos apoios sociais e aumentando-lhes as despesas. A mesma resposta que tem vindo a ser dada, noutros locais, pela ocupação de universidades (que está a acontecer por toda a Europa), o bloqueio de cidades, as greves selvagens.
A determinação de milhares de estudantes em Londres, a raiva dos que invadiram o senado italiano contra a austeridade e os cortes na educação abre-nos o hoje, mostrando-nos o caminho para que o amanhã seja alguma coisa a ganhar e que começa no momento em que se decide colectivamente arriscar e lutar. A recusa de nos transformarmos todos em precários eternamente endividados e as lutas extraordinárias que se começam a desenvolver nesse sentido têm a capacidade de nos mostrar um presente com uma intensidade que ultrapassa a linearidade do seu próprio tempo. É um assalto ao futuro!
Não queremos mais dívidas, não queremos menos direitos, não queremos precariedade, não queremos pagar mais para estudar em Londres, Paris, Viena, Roma, Madrid, Dublin ou Lisboa. Esta resposta europeia tem tudo a ver com a recusa das políticas de austeridade e é um movimento que, apesar de disperso por várias lutas e vários países, fala a mesma língua, um verdadeiro movimento estudantil europeu, variado e radical, que procura coordenar-se. Um movimento de recusa que precisa de se encontrar e inventar uma gramática política diferente contra a venda de toda a vida ao lucro privado e à sua estratégia, implementada através dos Estados, de receita única: austeridade, cortes e endividamento.
A solidariedade que, em vários pontos da Europa, tem permitido a trabalhadores e estudantes encontrarem-se do mesmo lado da barricada deve crescer e ser a semente que se lança e que transforma o vento em vendaval.

Notícas dos protestos no Reino Unido

Através do blogue o tempo das cerejas (e também aqui) cheguei às seguinte notícias:

15-Year-Old Protester Goes Off On British Establishment
British students protesting tuition hike fees at national universities now have a viral video to rally around: a rousing address given by a 15-year-old slamming the nation's government.


The impassioned plea was made at the Coalition of Resistance National Conference in Camden, U.K., on Nov. 27, a youth, students and education workshop.


The teenager admits at the beginning that he may be in detention in a week and his school might not like it, but he feels he needs to speak his mind.


He builds up to this sequence toward the end of the video: "They can't stop us demonstrating, they can't stop us fighting back, and how ever much they try to imprison us in the streets of London, those are our streets. We will always be there to demonstate, we will always be there to fight."


He adds, "We are no longer that generation that doesn't care, we are no longer that generation to sit back and take whatever they give us. We are now the generation at the heart of the fight back."



Ele referia-se a uma manifestação que aconteceu em Londres no início de Novembro. Os protestantes, incluindo estudantes do ensino superior e do secundário (!!!), protestavam contra o plano do governo de aumento de propinas no Ensino Superior (para 3 vezes mais!!!).


Thousands Of UK Students Protest Tuition Fees Hike


LONDON (AP) — Tens of thousands of students marched through London on Wednesday against plans to triple university tuition fees, and violence erupted as a minority battled police and trashed a building containing the headquarters of the governing Conservative Party.


Organizers said 50,000 students, lecturers and supporters demonstrated against plans to raise the cost of studying at a university to 9,000 pounds ($14,000) a year – three times the current rate – in the largest street protest yet against the government's sweeping austerity measures.


As the march passed a high-rise building that houses Conservative headquarters, some protesters smashed windows as others lit a bonfire of placards outside the building.


Office workers were evacuated as several dozen demonstrators managed to get into the lobby, scattering furniture, smashing CCTV cameras, spraying graffiti and chanting "Tories Out," while outside police faced off against a crowd that occasionally hurled food, soda cans and placards.


"We are destroying the building just like they are destroying our chances of affording higher education," said Corin Parkin, 20, a student at London's City University.


The violence appeared to be carried out by a small group as hundreds of others stood and watched. Anarchist symbols and the words "Tory scum" were spray-painted around the building, and black and red flags flew from atop an office block beside the 29-story Millbank Tower.

domingo, 12 de dezembro de 2010

"Nos passos de Torga"

Texto de Susana Branco, Fotografias de Humberto Almendra
12 de Dezembro, 2010
, publicado no jornal Sol


Nos passos de Torga Junto ao Mondego seguimos as pisadas do aluno e médico Adolfo Rocha e descobrimos a essência do escritor num percurso literário pela cidade dos estudantes e de Miguel Torga. Torga era um aficionado das tertúlias, contudo pouco dado às tradições académicas. 'Sempre combatera abertamente a praxe'. Reconstruimos a história e imaginamo-lo a tomar café no Arcádia e a entrar na Coimbra Editores, que lhe publicou os livros.

Recuamos uns metros, descendo pela ladeira do seminário, para ouvirmos uma passagem de A Criação do Mundo. O romance autobiográfico de Miguel Torga não sairá mais das mãos de Branca Gonçalves, que junto à casa com o número oito lê um breve trecho: «Para neutralizar de certo modo o meu desinteresse pela rotina universitária e contrariar a vida demasiado dispersiva da Tertúlia, instalaram-me na república Estrela de Alva, habitada por nortenhos rudes e aplicados».



É em 1925 que Torga chega a Coimbra. Filho de camponeses, nasceu a 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho de Anta, no distrito de Vila Real, com o nome de baptismo de Adolfo Rocha. Depois de abandonar o seminário e de trabalhar como moço de recados numa casa de família do Porto, os pais mandam-no trabalhar na quinta de um tio, no Brasil. Como reconhecimento pelo seu trabalho, este oferece-lhe uma bolsa de estudos e envia-o para Coimbra. Tinha então 18 anos e a diferença dos sistemas de ensino obrigou-o a um processo escolar árduo. «Fiquei interno no Colégio de Santo António, lar e oficina pedagógica de Dr. Almeida. Um andar sujo, pobre, retalhado a canivete, onde o único traste que sorria era uma ardósia quando tinha contas a giz. Homem feito e de raça comprida, sentia certo constrangimento entre companheiros de 10 e 12 anos. O próprio director me dava pelo ombro. Mas não havia outro remédio senão começar pelo princípio», escreveu Torga.

Do outro lado da ladeira, à janela de uma residência universitária, algumas estudantes acompanham-nos neste prefácio à vida do escritor, cujos passos em Coimbra iremos seguir. Abandonamos, por isso, a antiga Estrela de Alva, onde viveu o autor «quando escolar de Medicina».

Adolfo Rocha ainda estudava quando publicou Ansiedade, o primeiro livro de versos. Só em 1934 é que adopta o pseudónimo de Miguel Torga: «Uma homenagem aos escritores Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno e à Torga, um arbusto transmontano que cria raízes profundas na terra, tal como a ligação de Torga à sua terra natal», revela Branca.

A caminho da universidade, percorremos o trajecto provável que Torga faria desde a república, optando pela travessia do Jardim Botânico, fiel à época. Paramos junto ao Instituto Botânico para dar novamente a palavra ao escritor que faz uma descrição soberba daquele lugar e do edifício - antigo Liceu D. João III - onde frequentou as aulas do sexto ano.

Já na zona alta da cidade, transpomos a porta férrea da velha Universidade de Coimbra onde, até meados do século XX, todas as faculdades funcionaram e Miguel Torga terminou a licenciatura em Medicina no ano de 1933. «Esta e a Porta Minerva, na zona baixa, delimitam a Universidade que à época fechava, tal qual uma escola, daí a designação de 'escolar'», explica a guia, referindo-se à citação da placa fixada na casa que serviu de residência estudantil ao escritor.

Torga era um aficionado das tertúlias, contudo pouco dado às tradições académicas: «Sempre combatera abertamente a praxe, e considerava a capa e batina símbolos anacrónicos dum passado morto», sublinha Branca em voz alta.



A descida panorâmica sobre o Mondego, pelas couraças de Lisboa e da Estrela, demora alguns minutos, mas o 'salto' na vida de Torga corresponde a alguns anos. O estudante tornou-se médico e, depois de um périplo profissional pela zona centro, instalou-se no Largo da Portagem. Em frente ao edifício, que hoje alberga um banco e várias empresas, a guia justifica a escolha do livro que trazia em mãos. «No 10.º ano entrevistei Torga, aqui mesmo no seu consultório. Começámos a fazer perguntas e ele, interrompendo-nos, perguntou se conhecíamos a sua obra. Dissemos que sim, que conhecíamos Os Bichos, e ele respondeu que se tivéssemos lido A Criação do Mundo não lhe faríamos semelhantes perguntas. Repetiu-o várias vezes!», conta. Branca acabou por ler a obra, a partir da qual dá hoje a conhecer o autor nesta Rota Torguiana. Reconstituímos a história e imaginamos o autor na rua Ferreira Borges, perpendicular, a tomar café no Arcádia, na Brasileira ou no Café Central, e a entrar na Coimbra Editora (que publicou os seus livros), ainda hoje a funcionar.

Já junto à margem do rio, alguém pergunta pelo memorial de homenagem ao escritor. Branca responde com um sorriso: «Está em cima dele!», olhando para uma passadeira em ardósia transmontana por debaixo dos nossos pés. «É como se fosse o olhar do poeta 'aprisionado' naquele consultório para as águas calmas do Mondego», diz a guia numa interpretação pessoal do monumento.

De autocarro fazemos o último troço do percurso até à casa onde Torga viveu entre 1953 e 1995, na zona dos Olivais. A funcionar desde há três anos como casa-museu, respira-se aqui a extensão humana do escritor, cuja vida e obra, mais do que conhecer, vivenciámos.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O Outono quente da Universidade italiana

por Leandro Vichi*

O início do ano académico 2010/2011 em Itália foi dos mais turbulentos dos últimos anos. Universidades ocupadas, manifestações diárias, greve do ensino por parte de professores e investigadores. A razão é a iminente entrada em vigor da reforma geral do ensino, conhecida como reforma Gelmini, do nome da ministra da educação do governo Berlusconi.

São dois os pontos mais contestados da reforma. Em primeiro lugar, o incentivo à precariedade da figura do investigador que, com a nova reforma, vai iniciar o seu percurso profissional com um contrato a tempo determinado, que se pode repetir até um máximo de oito anos. Depois, ou fica como professor associado ou tem que deixar a carreira universitária. É bastante previsível a atitude da universidade que, igualmente às práticas de recrutamento das empresas, terá a tendência, ao fim do período de precariedade, a deixar em casa o investigador “velho” para recrutar jovens frescos de doutoramento para mandar “à rua” depois de alguns anos. Segundo as normas actuais, os investigadores universitários não são obrigados a ter cadeiras mas na realidade metade dos cursos são deixados para eles. Por contestação a esta reforma, a maioria dos investigadores recusou-se de iniciar os cursos do ano académico. Não se trata de uma greve mas duma indisponibilidade a fazer um trabalho que, por lei, não são obrigados a fazer. Resultado foi a paralisação dos cursos de todas as faculdades italianas.

A segunda causa de mobilização, desta vez por parte dos estudantes, tem a ver com os cortes destinados às Universidades, em primeiro lugar as bolsas, quer aquelas para sustentar os alunos que pertencem a famílias a baixa renda, quer aquelas para financiar os doutoramentos.
Além do exponencial aumento das propinas dos últimos anos, verifica-se um corte de 170 milhões de euros nas bolsas (de 246 milhões de euros, em 2009, para 76 milhões de euros, em 2011) compensado pela introdução do empréstimo universitário para estudantes dignos; em relação ao doutoramento, conseguir uma bolsa é muito improvável, poucos são os departamentos que conseguem garantir mais de três bolsas e é praticamente impossível conseguir vaga, fruto da muita procura e do método pouco transparente da selecção dos candidatos. Em geral, os efeitos dos cortes à investigação levarão cada vez mais estudantes e investigadores a fugir de Itália, que já está no topo da classificação dos países com maior “fuga de cérebros”, para procurar melhores condições noutros países. Os jovens estudantes sentirão cada vez mais precário e inseguro o próprio futuro.
Além da indisponibilidade já mencionada por parte dos investigadores, a maioria dos professores também se mobilizou para manifestar a sua oposição à reforma, através de greves e aulas dadas nas ruas e nas praças das cidades. Mas obviamente a maior voz de contestação levantou-se dos estudantes. Já em Outubro os universitários começaram a invadir as ruas com a palavra de ordem “Não à reforma Gelmini” mas o verdadeiro terramoto verificou-se ao aproximar-se da data de aprovação da reforma, no final de Novembro. Centenas de milhares de estudantes ocuparam os monumentos símbolos da arquitectura italiana: o Coliseu em Roma, a Mole Antoneliana em Turim, a Torre de Pisa, a Igreja de São Marco em Veneza, etc., pendurando neles enormes faixas de protesto. Aeroportos, estações de comboio, auto-estradas e universidade foram invadidas e bloqueadas. Houve também uma tentativa de ocupação do Parlamento reprimido pela polícia. Além deste caso, as forças armadas foram protagonistas de inúmeras cargas e agressões contra os manifestantes de várias cidades, instaurando um clima de perigosa tensão social.


Depois de ser aprovada na primeira Câmara no dia 30 de Novembro, a reforma Gelmini deve ser apresentada na segunda Câmara. A oposição conseguiu adiar esta votação para depois do dia 14 de Dezembro, data da votação de confiança ao governo Berlusconi. No caso, muito provável, da queda do governo, a reforma não entrará em vigor, por isso verifica-se uma fase de impasse da luta estudantil.


Entretanto, houve manifestações de solidariedade a esta luta também fora do território italiano. Nas principais cidades europeias no dia da aprovação da reforma foram organizadas, principalmente por estudantes de Erasmus e investigadores italianos a estudar no estrangeiro, diferentes tipos de acções: em Paris foi pendurada uma faixa contra a lei no Arco de Triunfo e em Lisboa foi organizada uma concentração em frente da embaixada italiana.


*Leandro Vichi originário de Turim (Itália) vive em Lisboa e está no segundo ano do doutoramento em Ciências da Comunicação na FCSH-UNL.