por Leandro Vichi*
O início do ano académico 2010/2011 em Itália foi dos mais turbulentos dos últimos anos. Universidades ocupadas, manifestações diárias, greve do ensino por parte de professores e investigadores. A razão é a iminente entrada em vigor da reforma geral do ensino, conhecida como reforma Gelmini, do nome da ministra da educação do governo Berlusconi.
São dois os pontos mais contestados da reforma. Em primeiro lugar, o incentivo à precariedade da figura do investigador que, com a nova reforma, vai iniciar o seu percurso profissional com um contrato a tempo determinado, que se pode repetir até um máximo de oito anos. Depois, ou fica como professor associado ou tem que deixar a carreira universitária. É bastante previsível a atitude da universidade que, igualmente às práticas de recrutamento das empresas, terá a tendência, ao fim do período de precariedade, a deixar em casa o investigador “velho” para recrutar jovens frescos de doutoramento para mandar “à rua” depois de alguns anos. Segundo as normas actuais, os investigadores universitários não são obrigados a ter cadeiras mas na realidade metade dos cursos são deixados para eles. Por contestação a esta reforma, a maioria dos investigadores recusou-se de iniciar os cursos do ano académico. Não se trata de uma greve mas duma indisponibilidade a fazer um trabalho que, por lei, não são obrigados a fazer. Resultado foi a paralisação dos cursos de todas as faculdades italianas.
A segunda causa de mobilização, desta vez por parte dos estudantes, tem a ver com os cortes destinados às Universidades, em primeiro lugar as bolsas, quer aquelas para sustentar os alunos que pertencem a famílias a baixa renda, quer aquelas para financiar os doutoramentos.
Além do exponencial aumento das propinas dos últimos anos, verifica-se um corte de 170 milhões de euros nas bolsas (de 246 milhões de euros, em 2009, para 76 milhões de euros, em 2011) compensado pela introdução do empréstimo universitário para estudantes dignos; em relação ao doutoramento, conseguir uma bolsa é muito improvável, poucos são os departamentos que conseguem garantir mais de três bolsas e é praticamente impossível conseguir vaga, fruto da muita procura e do método pouco transparente da selecção dos candidatos. Em geral, os efeitos dos cortes à investigação levarão cada vez mais estudantes e investigadores a fugir de Itália, que já está no topo da classificação dos países com maior “fuga de cérebros”, para procurar melhores condições noutros países. Os jovens estudantes sentirão cada vez mais precário e inseguro o próprio futuro.
Além da indisponibilidade já mencionada por parte dos investigadores, a maioria dos professores também se mobilizou para manifestar a sua oposição à reforma, através de greves e aulas dadas nas ruas e nas praças das cidades. Mas obviamente a maior voz de contestação levantou-se dos estudantes. Já em Outubro os universitários começaram a invadir as ruas com a palavra de ordem “Não à reforma Gelmini” mas o verdadeiro terramoto verificou-se ao aproximar-se da data de aprovação da reforma, no final de Novembro. Centenas de milhares de estudantes ocuparam os monumentos símbolos da arquitectura italiana: o Coliseu em Roma, a Mole Antoneliana em Turim, a Torre de Pisa, a Igreja de São Marco em Veneza, etc., pendurando neles enormes faixas de protesto. Aeroportos, estações de comboio, auto-estradas e universidade foram invadidas e bloqueadas. Houve também uma tentativa de ocupação do Parlamento reprimido pela polícia. Além deste caso, as forças armadas foram protagonistas de inúmeras cargas e agressões contra os manifestantes de várias cidades, instaurando um clima de perigosa tensão social.
Depois de ser aprovada na primeira Câmara no dia 30 de Novembro, a reforma Gelmini deve ser apresentada na segunda Câmara. A oposição conseguiu adiar esta votação para depois do dia 14 de Dezembro, data da votação de confiança ao governo Berlusconi. No caso, muito provável, da queda do governo, a reforma não entrará em vigor, por isso verifica-se uma fase de impasse da luta estudantil.
Entretanto, houve manifestações de solidariedade a esta luta também fora do território italiano. Nas principais cidades europeias no dia da aprovação da reforma foram organizadas, principalmente por estudantes de Erasmus e investigadores italianos a estudar no estrangeiro, diferentes tipos de acções: em Paris foi pendurada uma faixa contra a lei no Arco de Triunfo e em Lisboa foi organizada uma concentração em frente da embaixada italiana.
*Leandro Vichi originário de Turim (Itália) vive em Lisboa e está no segundo ano do doutoramento em Ciências da Comunicação na FCSH-UNL.
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
O Outono quente da Universidade italiana
Publicada por serraleixo em terça-feira, dezembro 07, 2010
Etiquetas: Ensino Superior, fora de Portugal, Notícias, Protestos
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1 comentários:
Muito bom texto. De facto só cá em Portugal é que anda tudo na pasmaceira. Estudantes organizem-se!
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