quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Parece que afinal há mais violência na Praxe

Se a declaração do ministro foi importante por alguma razão, talvez tenha sido esta. Impelidos por esta oportunidade, parece que há mais gente com vontade de denunciar as práticas violentas, física ou psicologicamente, a que foi submetida. Vamos ver no que isto dá e que mais podres vamos descobrir da Virgem Praxe.

Notícia do Público, 27.Out.09
Mariano Gago envia quatro queixas de praxe para PGR
Por Bárbara Wong
O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior recebeu cinco queixas de praxes que alegadamente terão tido gravidade. Destas, quatro foram enviadas para a Procuradoria-Geral da República, informa o gabinete de imprensa do ministro. Sobre a quinta participação "foram pedidos mais elementos".

Há cerca de um mês, o ministro anunciou, numa carta enviada às instituições de ensino superior, que faria denúncia ao Ministério Público sempre que surgisse uma "notícia de práticas de ilícitos graves nas praxes". Na altura, o ministro avisava que poderia "responsabilizar civil e criminalmente" as escolas ou as associações académicas pelos excessos.

Este ano, a Universidade Lusíada foi condenada a pagar 90 mil euros à família de um jovem morto em 2001 na sequência de uma praxe, o Instituto Piaget foi condenado a pagar 36 mil euros a uma jovem vítima de praxe e seis ex-alunos da Escola Agrária de Santarém foram condenados por co-autoria de um crime de ofensas à integridade física qualificada.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes», por João Pacheco

Mais um texto «O que eu penso das praxes». Já várias pessoas nos deram o seu contributo. A lista de todos os textos está na coluna lateral do blog. Espreitem-na para conhecerem mais opiniões.

João Pacheco (n. 1981) é jornalista. Passou pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, pela Orientale de Nápoles e pelo CENJOR, em Lisboa. Tem trabalhado como jornalista desde o início de 2005, sobretudo no Público, na Visão e na revista do i. No Verão de 2007 recebeu o prémio de jornalismo Gazeta Revelação 2006 do Clube de Jornalistas, aproveitando para falar sobre precariedade perante o Presidente da República e os restantes convidados. É membro do grupo anti-precariedade Precários-Inflexíveis. Durante a faculdade, foi activista do MATA.


O QUE EU PENSO DAS PRAXES

Parece-me que a praxe cheira mal da boca. Cheira a bafio e a formatação para a carneiragem, cheira a tradição quase sempre inventada e perigosa, cheira ao pior que há na espécie humana: cheira à propensão para humilhar.
A praxe cheira mal da boca e não só. Porque a praxe tem o patrocínio de marcas de cerveja e a benção de muitas faculdades e politécnicos, cheira também mal o que está por detrás da praxe e o que está depois da praxe.
Caras pintadas? Palavrões? Música pimba? Tudo isso me é indiferente. Quem quiser palhaçar que palhace livremente. O que me irrita os pêlos das narinas é o objectivo mais ou menos consciente da praxe: vergar, torcer, quebrar, preparar para uma vida de joelhos.
O que eu penso das praxes tem a ver com uma pergunta: Já repararam que as gerações cada vez mais precarizadas são as gerações que passaram pelas universidades em Portugal quando a praxe estava a ser ressuscitada? Isto anda tudo ligado.

domingo, 25 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes», por Ana Deus

Este é o sétimo dos textos pedidos pelo MATA a diversas personalidades, com o tema «O que eu penso das praxes». Mais hão-de vir. A lista de todos os textos está na coluna lateral do blog.

Ana Deus (n. 1963) é cantora. Em 1987 integrou os Ban e foi a vocalista dos Três Tristes Tigres desde que começaram, em 1992. Entretanto tem colaborado em muitos projectos a solo ou em grupo. Fez várias músicas para filmes e teatro. Participou, com Regina Guimarães, no disco colectivo realizado pelo MATA em 2006 - Não resistir só e não só resistir - e foi cantar à festa que organizámos nesse ano. O que faz actualmente pode ser ouvido e visto aqui.



O QUE PENSO QUANDO VEJO PRAXES

Penso que parecem velhos, antigos, que não sabem o que fazer, que têm medo de não pertencer, de destoar.
Desesperadamente agarrados a uma ideia de grupo e de caminho.
Os que praxam, praxados também são, pela limitada ideia, circular.
Tantos velhos para derrubar e eles atordoando-se entre eles, ora agora sou eu ora agora és tu.
Tanto espaço para reinvindicar e só aprenderam o folclórico lugar onde se urra.

Penso que parecem bandeiras tristes representando uma sonhada ascensão de classe, doutores senhores, directamente para o longo caudal do desemprego...

e penso nas ruas tão cuspidas com as capas a arrastar...argh.


Quem berra não tem razão, quem quer obedecer tá mas é doido!


sábado, 24 de outubro de 2009

Calúnia? Será?

A praxe está sempre certa e quando não está é porque não é praxe. Esse é o argumento típico de qualquer proeminente praxista em relação aos casos mais violentos e abusivos, aqueles que claramente são uma violação dos direitos individuais, que impliquem um nível mais extremo de violência física e até psicológica. Mas agora existe uma nova desculpa: têm que suspender a praxe para travar a calúnia.

A Associação Académica de Viseu decidiu suspender a praxe até 8 de Novembro, que é quando começa a semana do caloiro, devido às notícias que têm aparecido sobre as comissões que os excelentíssimos "doutores" ganham quando obrigam estudantes do 1º ano a embebedarem-se em determinados e simpáticos bares.

Vamos então por partes:

1. Existem denúncias, naturalmente anónimas (a praxe mete medo a muito estudante - e isto é um facto), de que os sertórios (aka membros do Conselho Viriato) levam os colegas do 1º ano para os bares com os quais o Conselho Viriato tem acordos. Esses acordos implicam, para além da presença nesses bares, o consumo exagerado de bebidas alcoólicas, ficando os sertórios com uma parque do lucro do bar. Exploração óbvia.

2. A Associação Académica de Viseu suspende as praxes para travar a "calúnia, difamação e ataques pessoais" e que põem em causa o bom nome da instituição.

3. Ana Pinto, líder do grupelho Viriato, com 10 matrículas (deve ser da praxe profissional), merece toda a confiança por parte da AAV. Aliás, põem "as mãos no fogo".

4. Se isto tudo fossem calúnias porque é que decidem ir pela suspensão? Se não há nada a temer nem a esconder continuavam com os mesmos comportamentos acéfalos. Sinceramente, parece que os comportamentos acéfalos dão demasiado lucro. Mais vale deixar a poeira assentar, não é?

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Colégio Militar: novamente a praxe em tribunal

O que se passou no Colégio Militar não difere muito da praxe académica no Ensino Superior. Na realidade é a génese da praxe académica - as práticas humilhantes e hierárquicas da praxe académica sempre foram beber muito à hierarquia e ordem militares. Ver estudantes a rastejar lembra qualquer treino militar, embora aqui não se perceba minimamente qual a função e o objectivo disso. Julgar que praxes violentas fazem sentido numa instituição de ensino, mesmo militar, é profundamente arcaico.


Praxes criminosas no Colégio Militar
Jornalista: Nelson Morais - Jornal de Notícias

A violência das praxes no Colégio Militar deverá sentar vários alunos da instituição no banco dos réus. O Ministério Público anunciou, ontem, terça-feira, a acusação de oito jovens, pela prática de seis crimes de maus tratos.

"Os arguidos eram, à data dos factos, estudantes do último ano do Colégio Militar, graduados e ou comandantes de Companhia ou Secção", precisou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, num breve comunicado onde anuncia o encerramento do inquérito que visou apurar abusos cometidos no âmbito das praxes, tradicionalmente violentas, daquela escola.

A investigação foi levada a cabo pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, dirigido pela procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, e debruçou-se sobre factos ocorridos "no ano lectivo de 2006 a 2007 e princípios do ano de 2008".

O Colégio Militar é conhecido por ter rituais de grande exigência física e psicológica para os alunos mais novos. Daí a procuradoria de Lisboa destacar que "o despacho final do inquérito faz a distinção entre os castigos com fins educativos, inseridos no poder-dever de educação e correcção atribuído aos graduados, e as situações de crime de maus tratos".

Para o porta-voz do Exército, Hélder Perdigão, o que aconteceu foi "uma falta no normal funcionamento dos alunos do Colégio Militar". Em declarações à agência Lusa, aquele tenente-coronel lembrou que os problemas ocorreram entre 2005 e 2007 e foi aberto, "à data, um processo de averiguações, que caminhou para processo disciplinar e culminou numa suspensão aplicada pela própria instituição".

Os oito presumíveis autores de maus tratos, alunos finalistas, deixaram o colégio nos últimos dois anos, acrescentou Hélder Perdigão, acrescentando que o Exército não abdicará de uma "posição firme e determinada" na aplicação do regulamento interno das instituições que tutela.

O Ministério Público já terá em mãos o relatório de um inquérito, pedido pelos ministérios da Defesa e da Educação, no qual são relatados outros actos de violência praticados no Colégio Militar e no Instituto Militar dos Pupilos do Exército, que terão levado ao internamento das vítimas. A abertura daquele inquérito foi decidida, em Maio deste ano, pelo chefe do Estado-Maior do Exército, general Pinto Ramalho, na sequência de várias queixas de agressões.

Ainda esta segunda-feira, o deputado Fernando Rosas veio dizer que não havia "nenhuma justificação" para os resultados do inquérito não serem divulgados. Ontem à noite, a Lusa citou uma fonte do Exército que declarou que, a 6 de Outubro, o documento foi entregue aos ministérios da Educação e da Defesa, que, depois de o analisarem, remeteram-no para o Ministério Público. Não foi possível confirmar se, entretanto, deu lugar a novo inquérito-crime.

Praxe à comissão

Parece que a praxe afinal não é "tradição", é uma forma de lucro. Apareceu hoje a notícia, no Jornal de Notícias, de que existe exploração de alunos do 1º ano, pelo Conselho Viriato, no Instituto Politécnico de Viseu. Essa exploração consiste em obrigar os novos estudantes a beber bebidas alcoólicas em alguns e determinados bares da cidade, ficando os praxistas com parte do rendimento.

Foto: Artur Machado

Exploração de caloiros sob suspeita no Politécnico
Jornalista: Teresa Santos / Jornal de Notícias

Associação Académica reúne de urgência e promete tomar posição

A Associação Académica do Instituto Superior Politécnico de Viseu anuncia, hoje, sexta-feira, a sua posição sobre a alegada exploração de caloiros em bares nocturnos da cidade. Um negócio que dizem lucrativo para quem os lá leva.

A suspeita de que há elementos do Conselho Viriato, responsável pela praxe no ISPV, a "lucrar somas exorbitantes" com os alunos recém chegados à instituição de ensino superior, obrigando-os a consumos excessivos de álcool em estabelecimentos que pagam comissões, está a preocupar os responsáveis académicos. Que querem "tirar a limpo" uma situação que, dizem, "afecta a boa imagem" das escolas agregadas e dos seus alunos.

O presidente do ISPV, Fernando Sebastião, anuncia que vai reunir com os representantes dos estudantes para apurar a verdade das denúncias. Com a promessa de que o problema irá ser monitorizado. O dirigente admite que, a ser verdade, a situação é "inadmissível" e pode ter consequências graves para os responsáveis pela utilização de jovens em eventuais negócios.

A denúncia feita aos órgãos de comunicação social por um alegado "grupo de alunos" do ISPV, foi também analisada, durante a noite de ontem, pela Associação Académica (AA). "É uma reunião convocada com carácter de urgência para analisar todos os factos denunciados. As conclusões a que chegarmos, serão reveladas durante o dia de amanhã", disse ontem, ao JN, Rafael Guimarães, presidente da AA do Politécnico.

"Beber até não poder mais"

No centro das suspeitas está o designado Conselho Viriato. Um órgão criado no ano lectivo 1977/78 que é actualmente presidido por Ana Pinto, uma aluna da instituição de ensino superior que trabalha também num bar localizado na zona de Jugueiros. A este órgão compete a organização de todas as iniciativas relacionadas com a praxe, que vão muito para além da recepção aos caloiros no início de cada ano lectivo.

Os membros do Conselho Viriato, chamados "sertórios", são acusados de "manipular" os estudantes "obrigando-os a circular de bar em bar, bebendo até não poderem mais, sendo no final encaminhados para uma discoteca ou bar dançante, onde tiram os seus dividendos a título particular".

Guerra entre bares nocturnos

Ana Pinto declarou à Rádio Noar que tudo não passa de uma "difamação" originada pela "guerra entre bares nocturnos". A responsável reconheceu, todavia, que as "tertúlias académicas" privilegiam os estabelecimentos que patrocinam as actividades dos estudantes. O JN falou com um grupo de caloiros que negou praxes "abusivas". "Ninguém obriga ninguém a beber em excesso", garantiu o chefe Tiago Santos.

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Mais notícias:

- Diário de Notícias: Suspeitas de negócios com os caloiros nos bares de Viseu

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes», por João Cerqueira

O escritor João Cerqueira tomou a liberdade - ainda bem! - de propor ao MATA que publicássemos no nosso blog, no contexto da nossa iniciativa «O que eu penso das praxes», um trecho que nos enviou do seu livro A culpa é destas liberdades, publicado pela Pena Perfeita. Surge assim o sexto texto da nossa rubrica.

João Cerqueira (n. 1964) é escritor. Licenciou-se e fez o Mestrado em História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Actualmente prepara o seu doutoramento sobre o artista plástico José de Guimarães. Tem vários livros publicados. Ver mais aqui.


O QUE EU PENSO DAS PRAXES

Praxe:

Mas o melhor estava para vir.
Dias depois, quando já me preparava para regressar à ignominiosa normalidade democrática deparo com outra vibrante demonstração de restauro dos valores do antigamente. E desta vez eram os mais novos a darem o exemplo. Os ventos da mudança já se fazem sentir entre a juventude soprando os ares da renovação numa fulgurante limpeza da podridão que inquina as mentalidades. Pois a natureza humana foi dotada de mecanismos de auto-regulação que disparam o funcionamento de implacáveis engrenagens quando os comportamentos individuais ou colectivos ultrapassam os limites da decência patinando desgovernados nas acidentadas pistas de gelo da liberdade onde o tombo se sucede. Accionado o travão de mão e reposta a inércia, inicia-se então o processo de marcha-atrás, com a colaboração dos próprios sujeitos como adiante se verá, numa viagem de purificação espiritual e higiene mental cujo percurso os leva a descobrir, com a ajuda de pedagogos, uma nova dimensão na sua existência. Liberto das grades da liberdade, o animal ruge e logo exibe as garras pronto a esgadanhar o primeiro realizando a sua essência de besta irracional que os democratas lhe negavam. Como é bela a natureza.
Eram mais de uma centena marchando ordeiros com pinturas de guerra nos rostos e arrastando latas atadas por cordas aos tornozelos. Um cortejo da Inquisição veio-me de súbito à ideia, como se o tempo tivesse regredido. Meia dúzia de inquisidores de ambos os sexos impecavelmente trajados de preto comandavam os condenados sob intensas ordens e acintosos insultos. Técnicos bem preparados e voluntários esforçados produzem sempre resultados extraordinários. O enxovalho era sentido como uma iniciação ao conhecimento, a honra de ter sido escolhido entre muitos candidatos frustrados, o ponto de viragem das suas vidas. Logo, todos obedeciam com indisfarçável orgulho num êxtase semelhante ao das seitas suicidas que os fazia ansiar por humilhações cada vez mais torpes e degradantes. Como estes rapazes e raparigas não param de me surpreender. Por muito que tinjam o cabelo de cores berrantes e esburaquem as cartilagens auriculares e nasais numa aparente rebeldia há algo bem lá no fundo deles próprios que exige os prazeres indescritíveis do jugo e da vassalagem, sem qualquer razão que os justifique. Longas distâncias percorrem e consideráveis somas de dinheiro pagam para que alguém lhes demonstre a sua, e a deles, estupidez. Fantástico. A nação tem o futuro garantido. Eles são a prova de que os adolescentes estão fartos de liberdade e do excesso de direitos. Frustrados na abundância, viram-se para a ascese. Então, num crescendo de apoucamento, levaram-nos para um grande largo onde se encontrava algum público_ cenário escolhido para o culminar do ritual de passagem_ sob o olhar incrédulo de inúmeros cidadãos pois, como é evidente, uma verdadeira humilhação exige o testemunho de terceiros. Começaram por os obrigar a ajoelhar na pedra fria para nessa posição beata entoarem grosseiras ladainhas carregadas de ofensas a si próprios e aos seus familiares, num acto de culto supremo à divindade monoteísta da imbecilidade. Adoraram. Depois promoveram um jogo de estratégia destinado a estimular o raciocínio e a tomada de decisões dos participantes que consistia em coagi-los a tirar os sapatos e as peúgas efectuando assim um montículo onde se misturavam apetrechos para os pés de diversas proveniências e odores do qual os descalços recrutas deveriam retirar, após exaustiva pesquisa manual estimulada pelos impropérios que os seus donos lhes lançavam, os bens que lhes pertenciam. Fabuloso. Não é qualquer um que se lembra disto, nem um qualquer que aceita participar. Contudo, não totalmente seguros da eficácia do seu proselitismo ou da conversão dos novos fiéis, os sacerdotes e as sacerdotisas da capa preta redobraram a gritaria e as ameaças diversificando esconjuros e promessas de estadia no inferno. Pareciam levar muito a sério o seu papel. Se não fossem as circunstâncias, diria até que existia um excesso de zelo entre estes patuscos aprendizes de capataz inebriados por um poder que nunca tiveram na vida.
Não os censuro - algo dá mais gozo que achincalhar os outros?
Então, lentamente, os demónios da democracia, da inteligência e do respeito individual começavam a abandonar o corpo supliciado dos possessos irremediavelmente exorcizados, com o rabinho entre as pernas. E, como em todas as cerimónias litúrgicas, deu-se a possibilidade aos crentes de comungarem o divino sob a forma de hóstias que neste caso eram as biqueiras sujas dos sapatos e das botas dos doutores da fé, obedientemente beijadas pelas bocas pecaminosas dos noviços. Caniches de circo treinados a guloseimas não fariam melhor. Estava por fim consumado o excelso ritual de despersonalização da manada: a anulação absoluta da vontade, o fim da auto-estima, a ligação directa entre o intestino e o cérebro. Medidas alternativas como a simulação de actos sexuais ou a imitação de quadrúpedes da família do burro já não eram necessárias. Ei-los agora embrutecidos, com a dignidade esfarrapada por ilustres desconhecidos que se dizem seus amigos e o seu bem desejam, espumando um rancor que tentativas de afogamento em marés de cerveja não conseguem apaziguar, prontos a devolver com redobrada intensidade a futuras vítimas alegres o aviltamento sádico a que foram sujeitos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Opinião de José Morgado sobre a praxe

Encontrámos a opinião do Prof. José Morgado, no seu blogue Atenta Inquietude, sobre as praxes académicas. José Morgado é professor no Instituto Superior de Psicologia Aplicada e é psicólogo educacional.


PRAXES, QUANDO HUMILHAR RIMA COM INTEGRAR
(27 Setembro 2008)

No Público de hoje e conforme é habitual nesta altura do ano, reaparece o tema das praxes académicas no ensino superior português. Seja do “aviso” do ministro Mariano Gago, seja da proibição decretada por algumas faculdades (má escolha), seja por orientações nesse sentido produzidas noutras, seja porque os estudantes assim o vão escolhendo, seja dos esforços do MATA (Movimento Anti-Tradição Académica), parece que as “actividades” de praxe estarão mais brandas do que em anos anteriores. Fico satisfeito, sobretudo se corresponder a decisões assumidas pelos estudantes no seu conjunto e não fruto de ameaças ou determinações da tutela ou da direcção das diferentes escolas, estamos a falar de gente crescida e, espera-se, auto-determinada.
É que relativamente às praxes habituais e aos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição.
Talvez este discurso seja de um desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno tipo que não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Desculpem.

domingo, 18 de outubro de 2009

Mãe de Diogo Macedo vai requerer re-abertura do processo

Mãe de aluno morto em praxe vai reabrir processo-crime
Por Felícia Cabrita - Jornal Sol

A mãe de Diogo Macedo, o estudante do 4.º ano de Arquitectura que morreu em Outubro de 2001 depois de ter sido submetido a uma praxe violenta na Universidade Lusíada de Famalicão, vai requerer a reabertura do processo-crime arquivado em 2004, à luz de novos dados.

Segundo soube o SOL, Maria de Fátima Macedo deverá requerer a reabertura do processo-crime, arquivado em 2004. No mês passado, a Universidade Lusíada de Famalicão foi condenada ao pagamento de uma indemnização de 90 mil euros à família do estudante de 22 anos, entendendo a justiça que a instituição «não controlou nem evitou as praxes académicas» responsáveis pela morte de Diogo.

O Tribunal Cível de Famalicão deu como provado a 27 de Setembro que a morte de Diogo se deveu a lesões provocadas durante uma praxe violenta nas instalações da tuna académica daquela universidade, na noite em que o estudante decidiu abandonar o colectivo. A vítima esteve sete dias em coma devido a uma hemorragia cerebral causada por uma forte pancada na cabeça, falecendo depois.

Instaurado um processo-crime, dois membros da tuna foram constituídos arguidos e foram inquiridos vários alunos da instituição. Um pacto de silêncio entre as testemunhas da praxe violenta comprometeu a resolução do caso, arquivado em 2004.

Posteriormente, um processo cível deu como provada a morte violenta. Uma das peças que fundamentou o veredicto foi uma reportagem com depoimentos dos antigos membros da tuna Olavo Almeida, Albino Fonseca, Ricardo Nuno, José Afonso Antunes, José João e do médico Luís Cunha Ribeiro (veja os vídeos no fundo da página e leia o artigo seguindo o link), que o tribunal aceitou como prova.

Face a novos dados entretanto apurados e ao veredicto do tribunal de Famalicão, a mãe do estudante vai desencadear a reabertura do processo-crime.

«O que eu penso das praxes», por Miguel Cardina

Mais um texto «O que eu penso das praxes». Vê na coluna lateral a lista de textos já existentes com a opinião das diversas personalidades que têm respondido a este desafio proposto pelo MATA. Para que a sociedade debata.

Miguel Cardina (n. 1978) é licenciado em Filosofia e mestre em História das Ideologias e Utopias Contemporâneas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É também investigador-associado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. É autor do livro "A tradição da contestação". Ver mais aqui.



O QUE EU PENSO DAS PRAXES


Penso que a praxe integra. Integra a crença de que a humilhação e o arbítrio podem dar lugar a formas salutares de relacionamento. Integra os cânticos boçais e a gesticularia grosseira no complexo das “culturas académicas”. Integra rituais de carácter hierárquico ou punitivo que privilegiam a autosuficiência grupal em detrimento do direito à dissidência ou à timidez. Integra as “tradições” como um valor em si, independentemente dos juízos que sobre elas possamos fazer. Integra uma nebulosa de desconhecimento sobre a origem das tais “tradições”, em regra bastante recentes e “impuras”. Integra o machismo e a homofobia no senso comum. Integra os estudantes numa estranha mistura de irresponsabilidade e elitismo social. Integra a ideia de que brincando à obediência se fomenta a liberdade. Integra a noção chantagista de que “tudo é praxe”, mesmo quando muitas práticas efectuadas em território estudantil ocorrem à margem ou contra aquilo que a praxe pretende integrar. É verdade, a praxe integra. Só falta agora desintegrá-la.

sábado, 17 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes», por Miguel Vale de Almeida

O MATA anda a pedir a diversas personalidades, ligadas ou não à universidade, que escrevam sobre «O que eu penso das praxes». Este é o quarto texto que publicamos. Para verem textos de outras pessoas, vejam a lista na coluna lateral.

Miguel Vale de Almeida (n. 1960) é antropólogo e um activista do movimento LGBT. É professor associado do ISCTE. Mantém o blog Os tempos que correm e participa também no blog Jugular. É deputado do Partido Socialista. Ver mais aqui.

O QUE EU PENSO SOBRE AS PRAXES

Quando nos anos oitenta fui para a faculdade nem se ouvia falar de praxes. Era uma coisa velha, de Coimbra, do antigamente. Já depois de começar a ser prof, nos anos noventa, começaram as praxes, apresentadas desde logo como "tradição". Um horror. Mas a liberdade de opting in e opting out é importante: em todas as inscrições em todas as faculdades deveria haver uma caixinha em que @s alunas assinalassem: "aceito/recuso" ser submetid@ a praxe". Ponto final.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Grande Reportagem: Investigação sobre a morte de Diogo Macedo

Está on-line a reportagem feita para a SIC pela jornalista Felícia Cabrita. É algo que vale a pena recordar.


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Reunião do M.A.T.A. - 17 de Outubro em Lisboa


Convocamos uma reunião aberta a todas as pessoas que queiram discutir a praxe, o que ela é, como ela acontece e o que se pode fazer contra a praxe e a constante e crescente hierarquização dos estudantes. A reunião será na Esplanada Stadium, na entrada do Estádio Universitário de Lisboa.

Ver Mapa | Carris: 31, 64, 738, 755, 768 | TST: 176 | Metro: Cidade Universitária (linha amarela)

«O que eu penso das praxes», por Jorge Silva Melo

Este é o terceiro de muitos textos pedidos pelo MATA a personalidades ligadas ou não à universidade, com o tema «O que eu penso sobre as praxes». Na coluna lateral podem ver a lista dos textos que já publicámos (até agora, da autoria de Miguel Castro Caldas e de Teresa R. Cadete).

Jorge Silva Melo (n. 1948) é actor, encenador, dramaturgo, cineasta, tradutor, ensaísta. Fez parte do Grupo de Teatro de Letras da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Estudou cinema na London Film School e teatro em Berlim e em Milão, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Fundou e dirigiu, com Luís Miguel Cintra, o Teatro da Cornucópia (1973-1979). Em 1995 fundou os Artistas Unidos. Escreve também para jornais e revistas. Ver mais aqui.



O QUE EU PENSO DAS PRAXES

1. que é uma total cretinice;
2. que é uma total estupidez;
3. que é um total disparate;
4. que é uma total javardice;
5. que é uma total idiotice;
6. que é uma total patetice;
7. que é uma total falta de gosto;
8. que é um total desrespeito;
9. que é uma total imbecilidade;
10. que é uma prática totalitária.
É o que eu penso e ninguém me contradiz.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes», por Teresa Cadete

Este é o segundo de muitos textos que o MATA decidiu pedir a várias personalidades, ligadas ou não ao meio universitário, e que terão como tema «O que eu penso das praxes». Na coluna lateral do nosso blog, os nomes dessas pessoas aparecerão listados para que seja mais fácil encontrar a opinião de cada um no nosso blog.

Teresa R. Cadete (n. 1947) é professora catedrática da Faculdade de Letras e faz parte do Departamento de Estudos Germanísticos. Tem dezenas de estudos publicados nas áreas da Teoria e História da Cultura e dos Estudos Schillerianos e traduziu também Schiller e Nietzsche. É também autora de romances, que publica com o nome literário de Teresa Salema. Ver mais aqui.



NA MESMA GALERA, OU SOMOS TODOS PRAXADOS

A carnavalização do mundo já nos toca na pele. Todos somos praxados ao vermos alunos a fugir às nossas aulas para se submeterem a rituais sadomasoquistas e apenas conseguimos proferir umas frases críticas com as quais sabemos de antemão que não vão concordar, porque: “Quem quer trajar, tem de praxar”.

Não vale a pena defender a proibição do intolerável. Não vale a pena repetir diante de quem pode até não ser mas que se faz néscio em momentos em que o tribalismo mimético se torna essencial à sobrevivência simbólica, à consolidação de um grupo. A Faculdade de Letras transforma-se, durante as primeiras semanas de aulas, em hordas de hooligans e vítimas, todos convencidos que estão muito distraídos e contando com a tolerância dos docentes por só mais tarde iniciarem rituais decerto mais chatos como preencherem fichas, informarem-se sobre programas das cadeiras, bibliografias, métodos de avaliação.

O que corre mal aqui não se soluciona com uma seca proibição, que talvez aliviasse por momentos a alma de quem se sente ofendido pelo facto de semelhantes práticas estarem a decorrer numa faculdade onde é suposto que se forme o espírito crítico. Pelo facto de semelhantes práticas serem importadas, coimbrices relativamente recentes.

A violência voltou aos espaços que deveriam ser de intervalo, convívio, leitura e lazer, não de ofensa directa ao trabalho de quem quer estudar e aprender ensinando.

Qual a solução?

Talvez não exista – enquanto receita de cozinha. Mas se a violência se extravasou, então é tempo que os críticos da praxe se mobilizem antes do início da mesma e adquiram visibilidade, apontando também alternativas. E que, já agora, as vão discutindo ao longo do ano para não ficarem pesarosos ao verem como as praxes sobem cada ano de tom em idiotice e ordinarice.

Continuamos na mesma galera – remando, até quando?

domingo, 11 de outubro de 2009

Opinião de Manuel Caldeira Cabral sobre as praxes

Esta opinião vem directamente do Jornal de Negócios Online.
Manuel Caldeira Cabral é Professor Auxiliar do Departamento de Economia da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.


INSULTAR PARA INTEGRAR SERÁ UMA BOA IDEIA?

Hoje o principal problema das praxes não é a sua violência. É antes o seu carácter e a sua extensão. As praxes são longas, duram meses, absorvendo demasiado tempo e energia dos alunos. Evoluíram para um modelo militar, em que os alunos ficam em sentido, marcham e recebem ordens e insultos como se estivessem na recruta.
Este modelo serve bem os propósitos da formação de soldados, onde a uniformização e o sacrifício do indivíduo face ao grupo são objectivos importantes, mas dificilmente se percebe na universidade, onde se pretende estimular a criatividade, inteligência e imaginação, e onde a diversidade e a afirmação da diferença deveriam liderar numa fase em que cada aluno procura afirmar a sua identidade.
Mariano Gago tem razão quando, no seu recente comunicado, diz que "a degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve ser eficazmente combatida por todos".
De facto não lembra a ninguém acolher novos elementos numa instituição começando por os insultar, e continuando a arrastá-los durante todo o ano em actividades inúteis, que acabam por os impedir de se integrarem numa vida académica digna desse nome.
Este modelo de praxe já existe há alguns anos. Há quinze anos já havia abusos e muita estupidez. Afinal, já na altura, os alunos menos interessantes eram os mais interessados em praxar. Mas as coisas acabavam em quinze dias e não se via alunos a marchar ou em formação a olhar para o chão durante meses.
A praxe não se prolongava tanto, nem era vista como a principal actividade académica. Hoje, em muitas universidades, é.
Para muitos alunos, a praxe confunde-se com a vida académica. Confunde-se porque ocupa quase todo o primeiro ano e por ser a principal actividade dos alunos do último ano. Confunde-se porque os códigos e rituais da praxe se reproduzem nas festas e noutras actividades.
O modelo de praxe actual é um reflexo do empobrecimento da participação cívica e da vida cultural dos estudantes do ensino superior português, mas é também uma causa deste. Este modelo reproduz em cada nova geração a mesma ideia boçal do que é a vida académica. Os alunos mais interessantes acabam por se ver obrigados a viver à margem desta ou a emigrar de Erasmus para paragens mais estimulantes.
Este empobrecimento está a criar uma geração para a qual passar pela universidade não significa estar mais informado ou envolvido com o mundo. A maioria dos alunos do ensino superior não lê regularmente jornais ou livros, não vai ao teatro, à ópera, não vê cinema diferente do de Hollywood. Para a maioria, a vida académica não cria novos hábitos culturais.
Este quadro é muito diferente do vivido pelos alunos de outros países europeus. A maior parte destes países não tem praxe. E, no entanto, tem alunos mais integrados numa vida académica saudável.
Quando um aluno entra numa universidade inglesa, é convidado a participar na "Welcome Week". Esta é marcada por jogos, desportos, concursos e actividades culturais e por festas diferentes todas as noites.
A ideia é dar as boas-vindas (por isso "Welcome"). A segunda ideia é integrar os alunos. Assim, esta semana, para além de actividades recreativas e festas, também os convida a aderir a organizações e associações (desportivas, culturais, políticas, lúdicas, etc.) que apresentam as suas actividades e tentam angariar novos sócios. Os alunos juntam-se ao clube de remo, de rugby, de futebol, ou de montanhismo, e também às sociedades de leitura, grupos de teatro e de poesia. Em paralelo, são convidados a participar em organizações como a Amnistia Internacional, Greepeace, WWF, ou a OXFAM.
Todos estes clubes, associações e organizações fazem parte da vida académica europeia e contribuem para a integração dos novos alunos, em paralelo com actividades curriculares e as festas e bares onde os alunos se encontram ou se apresentam com as suas bandas de garagem.
É por esta razão que a "Welcome Week" é apenas uma "Week". Esta semana não é suposto ser a vida académica, serve apenas para abrir e apresentar os alunos à vida da universidade, deixando que escolham a integração com que mais se identificam.
Uma enorme diferença face à praxe que hoje se pratica em Portugal. Uma tortura chata, longa, ordinária e desinteressante, dirigida principalmente pelos alunos menos interessantes, em que os que entram são chateados em actividades sem graça onde apenas conhecem pessoas do mesmo curso.
Este modelo está condenado a desaparecer. Não por proibição. Mas porque os alunos têm de querer mais do que isto. Não por ser imoral. Mas por ser chato e foleiro. É importante começar desde já a dar alternativas dentro dos campi universitários, trazendo mais actividades culturais, promovendo actividades interessantes para os alunos do primeiro ano e estimulando a participação cívica dos alunos. Este é um papel em que os professores, os actuais alunos, o Ministério da Cultura e o do Ensino Superior têm de apostar, se queremos mudar o que é ser um universitário e se queremos que a universidade dê o seu contributo para a vida cívica e cultural de Portugal.

sábado, 10 de outubro de 2009

Não resisti...

Depois de ler um dos últimos comentários, não resisti a fazer este desenho.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

«O que eu penso das praxes» por Miguel Castro Caldas

Este é o primeiro de muitos textos que o MATA decidiu pedir a várias personalidades, ligadas ou não ao meio universitário, e que terão como tema «O que eu penso das praxes». Na coluna lateral do nosso blog, os nomes dessas pessoas aparecerão listados para que seja mais fácil encontrar a opinião de cada um no nosso blog.

Miguel Castro Caldas (n. 1972) é escritor. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Publicou textos no jornal da AE da Faculdade de Letras Os Fazedores de Letras entre 1998 e 2001. Publicou vários livros e escreveu e traduziu muitos textos para teatro. Recebeu uma menção especial da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro pela sua actividade em 2005. (Ver mais aqui)



O QUE EU PENSO DAS PRAXES

Penso que não devíamos ser indiferentes aos autos de fé. Mas não vale a pena chamar a polícia porque a polícia não vem, é conivente. Assim como os professores. Assim como os merceeiros. Assim como os miúdos que passam na mota a entregar a pizza. E os do banco que vêm de gravata da hora do almoço. E as velhas que alimentam a migalhas as pombas. E os bêbedos descalços sentados no chão. Não vale a pena chamar ninguém, temos de ser nós a segurar bem a raiva que nos sobe aos punhos perante qualquer espectáculo de humilhação. Temos de ser nós a partir-lhes a cara. Poisamos o lápis e as batatas em cima da balança e vamos lá dar uma cabeçada num palerma vestido de abutre que os outros fogem logo a seguir. Encostamos a mota da pizza e vamos ao focinho daquele que está a berrar com uma miúda de joelhos que é obrigada a enterrar-lhe a cara no fecho-éclair. Despimos a roupa de polícia dentro de uma cabine telefónica e vamos de camisa dar um pontapé naquele que se esfrega no dorso de um rapaz obrigado a manter-se debruçado para a frente. Chegamos atrasados ao banco porque vamos lá perguntar o que vem a ser aquilo de obrigar pessoas a porem-se de gatas no meio da rua. Poisamos a frigideira das migalhas para os pombos e vamos lá partir os dentes daqueles que passeiam gente por uma trela. E nem precisamos de largar a garrafa de vinho, não é preciso largar nada, para nos levantarmos do chão e irmos lá descalços, enxotá-los, enxotá-los, enxotá-los.



terça-feira, 6 de outubro de 2009

M.A.T.A. entrevista membro da A.A.C. no Correio da Manhã

“Praxe pela igualdade”

O estudante de Coimbra defende que a praxe existe para criar unidade e igualdade mas critica as formas desadequadas de alguns que a praticam.

Youri Paiva - Usas traje para te distinguires de quem?

Nuno Ribeiro - Em Coimbra, os estudantes do ensino superior que assim o desejem não usam 'Traje' mas sim 'Capa e Batina'. A Capa e Batina não tem como objectivo criar um espírito sectário, federacionista ou segregador, mas sim uma unidade e igualdade entre todos os estudantes universitários. Todos os que optarem livremente por não usar Capa e Batina pertencem de igual modo a todo o espírito estudantil de igualdade e unidade no que diz respeito às questões verdadeiramente importantes, nomeadamente a defesa de um ensino superior de qualidade ou a preservação de alguns usos e costumes que são símbolos e embaixadores da cultura portuguesa, como é o caso da Canção de Coimbra ou o folclore da região centro. Claro que existirá sempre a diferença de posições e opiniões, sendo necessário haver uma cultura de respeito e tolerância. A Capa e Batina não faz ninguém ser superior ou melhor, mas traz muitas mais responsabilidades a quem a usa por todo o seu simbolismo.

YP - Porque é que preferes conhecer pessoas novas nas praxes, em que uns mandam e outros obedecem, e não de igual para igual?

NR - O grande problema da sociedade portuguesa é não entender a essência e o significado da palavra 'praxe', pelo que acaba por ser associada erradamente a situações de desrespeito e falta de educação. É muito importante perceber que a praxe não pode ser resumida à forma desadequada como os alunos do primeiro ano são recebidos e 'integrados' pelos estudantes mais velhos nas instituições de ensino superior. No meu caso, tudo tenho feito nos últimos anos para que os núcleos de estudantes que estão ligados à Associação Académica de Coimbra (AAC) possam transmitir a verdadeira praxe coimbrã aos novos alunos e que consiste, muito resumidamente: em todas as actividades culturais e desportivas que a AAC tem para oferecer; na aquisição de uma consciência crítica e construtiva acerca de temas tão variados como História, Política ou Economia; na defesa e promoção da Canção de Coimbra, o principal embaixador cultural da cidade; na obtenção de um espírito de companheirismo e solidariedade.

Em relação ao que o vosso movimento julga ser a praxe, discordo da forma como actualmente se usa e abusa da hierarquia para humilhar e desrespeitar os estudantes, na maioria dos casos. No entanto, considero ser um conceito benéfico, tendo em conta tudo o que referi anteriormente e, se correctamente aplicado, pois pode ser bastante divertido, integrador e educativo. Nunca poderá ser obrigatório participar em qualquer iniciativa nem ser sinónimo de descriminação, mas não nos podemos esquecer que este conceito irá estar presente em todo o mercado de trabalho.

YP- Tu achas mesmo que a 'mulher gorda não convém a ninguém' (música cantada na praxe por todo o país)?

NR - A música a que se referem nunca a ouvi ser entoada por estudantes da Universidade de Coimbra. Penso que faz parte do repertório popular português do conhecido conjunto António Mafra, o qual sempre se pautou por criar músicas alegres e sarcásticas. Se isso desvirtua a mentalidade dos jovens universitários em relação à aparência física do sexo feminino, teremos que 'democraticamente' extinguir mais de metade da obra musical e tradicional portuguesa. No entanto, como não entendi verdadeiramente a questão por vós colocada, também posso afirmar que actualmente se deixou de compreender o significado para palavra irreverência.

Coimbra é uma escola de vida por todos os motivos já enumerados e pela enorme diversidade de mentalidades. O estudante universitário deve ser capaz de abraçar o mercado de trabalho com maturidade, respeito e responsabilidade. Porque não vêm a Coimbra e à AAC conhecer a essência e a origem do que julgam ser a praxe universitária praticada por todo o país? Visitem a Secção de Fado da AAC, a qual foi fundada como consequência directa do Movimento de Pró-Organização e Restauração da Praxe Académica de Coimbra de 1979 e que colocou um ponto final no luto académico iniciado na crise de 1969.

YP - Não teria problema nenhum em ir a Coimbra, mas se vieres a Lisboa (ou a outro sitio qualquer) verás um espelho de Coimbra. A defesa do ensino superior público e dos direitos dos estudantes deveriam ser pontos óbvios para qualquer estudante. Na praxe vejo o contrário: a alienação nessas actividades, sempre humilhantes e hierarquizadas (uns podem trajar; uns gritam, mandam e pintam, outros calam-se, rastejam e são pintados), afastam os estudantes dessas lutas. Melhor exemplo é esse que tu deste, o luto académico de 1969 deveu-se a motivos políticos - a luta anti-fascista. Depois do 25 de Abril as coisas deveriam acompanhar a evolução cultural, política e intelectual, não regressar ao passado sombrio pré-1974 com laivos de boçalidade.


Original on-line no site do Correio da Manhã; versão impressa no suplemento domingo da edição nº 11081 (4 de Outubro de 2009). Jornalista responsável: Hélder Almeida.

Não existem diferenças nenhumas entre os estudantes, um trajado é a mesma coisa que um não trajado, ora essa!

Mas a tuna A Feminina (da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa) rejeita essa ideia de igualdade. Os bilhetes para o Traçadinho - Festival de Tunas Femininas variam, ainda que apenas 50 cêntimos, para quem vai trajado e quem não vai trajado. Qual é a lógica disto?

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Resposta (longa) a um comentário

Em resposta ao comentário/post feito por Sir Giga (no nosso blog aqui e no seu blog aqui). Espero ajudar para uma reflexão sobre a praxe.

Começo por citar algumas declarações que fizeste, tanto no post como no comentário, para de seguida contrapor:

- "as mesmas [hierarquias], para além de constituírem um imperativo sociológico, são uma imposição da nossa própria biologia, tendo sido, aliás, aprimorada ao longo de milénios pela evolução"
Não há nada na biologia humana que defina que têm de exitir hierarquias e muito menos hierarquias definidas antes do nascimento. Existem características que nos distinguem enquanto indíviduos, mas nada que defina à partida que uns têm direitos sobre os outros. Se uns são mais capazes numa determinada função outros serão noutra qualquer. Considerando que todas as ocupações humanas tem igual valor e são todas socialmente importantes, não me parece que deva existir alguém que pela função que desempenha deva ter mais direitos do que os outros, por mais importante que essa função seja. Aliás, a nossa Constituição reflecte esta posição. O Primeiro-ministro, ou o Presidente da República, tem tantos direitos quantos os outros têm. E estes não podem decidir sobre os outros para além das competências que lhes foram entregues pelo cargo que ocupam. É certo que muitas vezes eles tentam influenciar outros devido à sua posição. Mas isso é considerado eticamente incorrecto pela nossa sociedade, bem, e pelos nossos tribunais – normalmente chama-se abuso de poder. Se quisermos conduzir esta discussão quanto à necessidade de classes sociais, quanto à necessidade de haver uns que dominam e de outros que são dominados, a discussão será muita. Limito-me a dar a minha opinião – não são necessárias classes sociais para que as pessoas se entendam (podia acrescentar que a existência de classes determina o confronto entre elas e portanto a instabilidade social, e a história demonstra-o...) Poderia acrescentar também que considero a existência de hierarquias artificiais (artificiais, porque não reflectem a qualidade de determinado indivíduo para ocupar / desempenhar determinada função) e rígidas (porque estão pré-definidas) um dos maiores impedimentos para o desenvolvimento humano. Nas praxes o que se verifica é isso mesmo – uma hierarquia artificial e rígida que ser ve apenas para conceder os que ocupam um degrau acima poderes sobre os que ocupam os degraus abaixo. Para subir esses degraus e adquirir os poderes e direitos extraordinários (ou seja, a mais do que os que estão abaixo têm) não é necessário adquirir qualidade alguma, basta ganhar “anos de casa”. Não me parece um sistema muito lógico...

- "a adesão às mesmas [praxes] é completamente voluntária, sendo indefensável que haja coacção a esse respeito." (post)
"Há chantagem? Não, chantagear com quê? Há condicionalismos? Pois claro." (comentário)
Estas duas citações são ligeiramente contraditórias mas, enfim, vamos ao que interessa. O primeiro contacto dos novos alunos de uma faculdade com a sua instituição de ensino superior é a formulação de uma escolha que não é fácil de se fazer. E essa escolha é feita sob pressão. Um grupo de pessoas que já se conhecem (normalmente trajadas) aborda um grupo de pessoas que ainda não se conhecem, e coage este último a participar na praxe. Praxe esta onde, para quem vai ser objecto dela, ainda não se sabe o que vai acontecer. E se não se optar por ela mais nenhuma outra opção temos. Logo, não se pode dizer que é uma escolha. Dizer o contrário seria o mesmo que dizer que votar numas eleições onde apenas concorre um partido do qual não se conhece o seu programa governativo nem as pessoas que dele fazem parte é fazer uma escolha. A "escolha" é feita também sob a coacção de uma série de falsos argumentos. São os tradicionais argumentos da praxe, pouco honestos e invariavelmente repetidos na praxe de diferentes faculdades. «Se não fores à praxe...»: «...não farás amigos.», «...vais ter mais dificuldade em conhecer a faculdade.», «...não poderás usar traje.», «...não terás apontamentos por onde estudar.», «...não poderás ir aos jantares de curso ou à Festa do Caloiro.», «...não terás descontos noutras actividades da recepção ao caloiro.», «...não participarás num momento único da tradição académica onde apenas os estudantes universitários podem participar.», e por aí fora. Ouvindo estes argumentos dificilmente se conseguirá ter a iniciativa para sair dali. Se se conseguir ser-se-á automaticamente rotulado de anti-praxe e quase sempre forçado a assinar um papel a admiti-lo (quando, possivelmente, apenas não se quer ter nada a ver com aquilo). A partir do primeiro momento em que se entra na praxe já não nos pedem nada, exigem-nos. Quem praxa dá ordens, quem é praxado às ordens obedece. E estas ordens são para cumprir ou para sofrer as consequências da desobediência. Os castigos são vários, desde o singelo fazer flexões, ao rebolar pela lama, levar com comida (ou outras coisas) na cara, ouvir os colegas gritar aos ouvidos, simular actos sexuais, ou enfentar o «"Tribunal" de praxe» onde tudo parece poder acontecer. O consentimento tem de ser com base em informação, sem coacção e com tempo (não pode ser naquele momento em que os veteranos querem e quando toda a gente está a olhar para nós). Na praxe não se pode optar por fazer apenas esta ou aquela coisa. Está-se lá para obedecer a tudo, quer se goste ou não. Nos dias seguintes pode-se decidir não ir à praxe. Na verdade esta hipótese também não é uma verdadeira escolha porque o que acontece é que na maioria dos casos decide-se não ir à faculdade e assim fugir à praxe. Parece, pois, que a praxe veda o caminho à universidade para quem não quer ser praxado. Esta falta de liberdade característica da praxe, praticada em qualquer instituto de ensino superior e seja ela mais ou menos violenta, é o que a define como algo contra os princípios de uma sociedade que se quer livre, justa e solidária.

- "um grupo ao qual [o Diogo] aderiu voluntariamente (e no seio do qual, tanto quanto sei, se divertiu à grande durante anos) e rodeado por seus amigos."
É verdade que o Diogo aderiu voluntariamente à Tuna. Era músico e tinha gosto em continuar a praticar música na Universidade. Infelizmente, as universidades de uma forma geral só apoiam a música na forma de Tuna e isso fez com que a ela aderisse. No entanto, não se divertiu à grande como tu dizes. O que se sabe desta história é que ele estava farto de ser praxado e queria sair da tuna. Também se sabe que ele não estaria rodeado de amigos. Ficou sozinho por uns bons momentos perante aqueles que o praxaram insistentemente ao longo dos anteriores 4 anos e que o impediam de ser tuno, apesar de já estar há tempo suficiente na tuna para tal, e que o fizeram tomar a decisão de sair. Resumindo, ele estava num ambiente hostil e sabia-o. As conjecturas que teces em seguida são demasiado absurdas e contraditas por várias declarações que lemos na reportagem da Felícia e ao longo das várias notícias que já saíram sobre o caso (é visto a descer as escadas por um colega, sabe-se que não terá ensaiado quando ficou sozinho na sala com os tunos, bater com a pandeireta na cervical com força suficiente para se aleijar a sério, é um pouco complicado,...). Mas sem dúvida que nunca saberemos como tudo decorreu e todos os cenários específicos serão sempre especulação, embora me parece que um cenário geral provável é o de que tenha sido em consequência da praxe que terá sofrido as lesões, que se verificaram na autópsia, e que resultaram na sua morte.

- "Embora não acredite que tenha mais legitimidade ou autoridade moral que qualquer outro nesta discussão, não deixarei de atestar a minha autoridade e credibilidade no que diz respeito a este assunto".
Apesar de a primeira metade da frase ser muito bonita a segunda metade tira-te logo a máscara. Na verdade, o teu pretensiosimo tresanda em todo o post...

- “De facto, os estudantes são, à luz da lei, iguais em direitos e deveres, e é bom que assim seja. Já à luz da Praxis, à qual aderem SE FOR ESSA A SUA VONTADE, não."
O facto de fazeres esta declaração demonstra que reconheces que a praxe é uma prática fora da Lei e que tem essa pretensão. Mas, independentemente de os caloiros aderirem livremente ou não à praxe, nada dá o poder - aliás, a Lei, como tu disseste, retira esse poder -, aos veteranos ou à tradição académica ou a seja ao que for, de os tratar de forma diferenciada e com direitos e deveres distintos, seja em que circunstâncias for. O cariz despótico da praxe é demasiado evidente - uns dominam e outros são dominados, até ao fim do curso!!

- "O facto de alguém ter uma atitude perversa num determinado momento e contexto, não torna esse contexto, por si, perverso. O facto de alguém ter comportamentos condenáveis a pretexto das praxes, não torna a verdadeira Praxe, em si, condenável."
É engraçado que os exemplos que tomaste (desporto, casamento e trabalho) são alvo de medidas legislativas “especiais” para prevenção do crime que deles pode advir e proteger a parte mais fraca. No casamento, reconheceu-se que é crime público uma agressão em contexto matrimonial, existem linhas de apoio à vítima de abuso doméstico, as penas são mais pesadas,… No desporto, nos jogos onde é elevada probabilidade de confrontos entre claques, a segurança policial é maior. Levantam-se cordões policiais, seguem-se as claques, identificam-se os indivíduos mais perigosos,… No trabalho é a mesma coisa. Tenta-se (ou tentava-se, que isto o novo código de trabalho encostou-nos à parede) proteger a parte mais fraca da relação laboral, o trabalhador. O que isto nos diz é que, nos contextos em que há uma parte com poder sobre a outra, a primeira tenderá sempre a abusar da segunda. Então porquê criar um contexto destes com a praxe? A integração não pode ser feita de igual para igual? É menos divertido para quem?
Se bem que talvez seja difícil, neste momento, abolir o casamento ou o trabalho assalariado, a praxe talvez já não o seja...

Agora, para acrescentar algum humor a este longo post/comentário, pego na última frase do teu post e faço-lhe umas pequenas alterações:
Como nota final, peço que não se aproveitem deste caso para defender as praxes no geral. São contextos ABSOLUTAMENTE distintos e é completamente desonesto, bacoco e dum chico-espertismo lamentável pegar num caso como este, descontextualizá-lo e extrapolá-lo para construir um argumento (falacioso, claro está) a favor das praxes ou pior, para aceitar a Praxe (vulgo, "Tradição Académica") como tradição e prática decorrente da vida de adultos, livres, maiores e vacinados.
(Porque na verdade é a reacção que se vê tomar por quem defende a praxe quando estes casos acontecem. Demarcam-se deles, renegam-nos como uma consequência da praxe e aproveitam para dizer que a praxe é só maravilhas - a verdadeira praxe, aquela que não se vê por aí.)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Direcção da FCM-UL subscreve ofício do Ministro Mariano Gago

Segue o texto da Circular da Direcção da Faculdade de Ciências Médicas N.º 46/2009. Mais uma direcção que assume o seu repúdio pelo que se passa nas praxes.

Para conhecimento geral, junto se envia ofício da Sua Excelência o Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, sobre a questão das “praxes” académicas. A Direcção subscreve o referido ofício, afirmando que não autoriza condutas ou práticas ilícitas no relacionamento entre os alunos e apelando à colaboração e acção de todos nesta matéria.
Lisboa, 01 de Outubro de 2009

O DIRECTOR DA FACULDADE,
Prof. Doutor J. M. Caldas de Almeida