Marco Pinto Barreiros, especialista em psicologia social e das organizações, realça que este género de comportamentos surge «no cumprimento de uma das necessidades mais básicas do ser humano que é a de se sentir parte de um grupo».
«Os limites de cada um são diferentes, mas todos estamos dispostos a ceder alguma coisa e por isso é que estamos a ver jovens que até descreveríamos como tendo uma personalidade forte a submeterem-se a determinados comportamentos que podem ser descritos como humilhantes, com o simples propósito de virem a fazer parte de um grupo», explicou à Agência Lusa.
Pinto Barreiros sublinhou ainda que «as praxes são levadas a cabo por um grupo de estudantes e todos sabemos que as pessoas ultrapassam um bocadinho os seus limites, na medida daquilo que normalmente são capazes de fazer, quando estão em grupo».
Na óptica da «vítima», muitas vezes o que sucede também é que «as pessoas acabam por perpetrar comportamentos que não fazem parte da sua paleta habitual de comportamentos e isso acaba por gerar posteriormente uma situação de revolta».
«Tentam voltar para trás e geralmente é tarde, já há um sentimento de turba criado naqueles que estão a executar a praxe e que normalmente não deixam ou deixam com muita relutância que a praxe pare ou seja interrompida», sublinhou.
Para o especialista o importante é que quem vai submeter-se à praxe saiba exactamente o que lhe vai acontecer, de forma a pesar os prós e os contras, para escolher livremente submeter-se ou não, porque depois de iniciado o processo é mais difícil «controlar a massa humana constituída».
O especialista em Direito Constitucional e professor universitário Jorge Miranda considera que «a praxe em si, entendida como uma forma de integração do aluno na escola, não é mau».
«O problema é quando acontecem, como têm acontecido nos últimos anos, casos em que as praxes se tornam violentas, contrárias à dignidade da vida humana, usam processos que são contrários à vontade das pessoas, até sob formas pornográficas absolutamente inadmissíveis, em que grupos de estudantes põem em causa direitos liberdades e garantias de outros estudantes», destacou.
O ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior anunciou no passado dia 10 que será dado conhecimento ao Ministério Público de qualquer «prática de ilícito» nas praxes e serão utilizados os meios necessários para responsabilizar civil e criminalmente quem não evitar os danos ocorridos, conforme escreveu numa carta enviada a todas as instituições de ensino superior públicas e privadas.
Jorge Miranda destaca que qualquer aluno tem desde logo o direito de não querer estar sujeito a qualquer tipo de praxe e o direito de não estar sujeito a praxes com violência, abusos sexuais e outras tentativas de degradação da pessoa.
«Em primeiro lugar ninguém pode ser obrigado e no caso de a pessoa aceitar, a praxe tem de se desenvolver dentro dos limites aceites pela própria pessoa», acrescentou, salientando que «não pode servir para justificar verdadeiros crimes que estudantes comentem sobre outros estudantes».
Para Ana Feijão, do Movimento Anti-Tradições Académicas (MATA), tem havido desde 2003 mais atenção para os abusos na praxe, devido a casos ocorridos no Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros e em Santarém, mas situações em que estudantes ultrapassam os limites continuam a existir.
«Tem havido uma linguagem mais moderada, mesmo dos praxistas, mas os casos de exagero continuam a existir porque são baseados num sistema em que há uma hierarquização e não uma verdadeira integração» do novo estudante, destaca esta responsável do movimento MATA, salientando que a praxe, em muitos casos, «nem sequer é uma verdadeira tradição porque só surgiu nos anos oitenta».
«Querem fazer parte do estereótipo do estudante, vestir aquele fato, sair às quintas-feiras para o Bairro Alto ou equivalente noutras cidades e pensam que é assim, porque a própria escola não lhes dá outras alternativas de integração», disse, salientando medidas adoptadas pelo Instituto Politécnico de Leiria, entre as quais a criação, em 2003, de um Provedor do Caloiro, para apoiar os novos estudantes, e um regulamento com normas para os actos de praxe no Campus.
«A simulação de actos sexuais, por exemplo, muita gente não acha nada de mal porque está vulgarizado nos meios académicos», disse.
Filipe Santos é responsável na Academia de Lisboa por uma equipa que está a elaborar o primeiro Código de Praxe a englobar todas as tradições das faculdades das «cinquenta e tal» instituições de ensino superior da cidade.
«Esse trabalho está a ser feito e está a ser difícil, muito complicado mesmo. Cada faculdade terá a sua tradição e não quer de alguma forma perder a cultura que tem», disse.
Destacando que não existe em Lisboa uma única comissão de praxe de forma que cada faculdade faz o seu trabalho individual, refere que a comissão está «a trabalhar para que todas as situações mais anómalas sejam prontamente resolvidas» porque tem de «existir um elemento mediador para todas as questões que possam surgir».
«Todo o novo código está pensado para que todos os abusos e situações mais anómalas sejam punidas visto que a praxe não passa por uma vingança, tem um espírito integrante e é para isso que deve existir. Doutra forma não faz sentido», considerou, admitindo que este documento possa estar nas faculdades «não este, mas durante o próximo ano».
Rosário Salvado, Lusa
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