O mês de Maio começa com o seu primeiro dia. Horas passadas e dias construídos aglomeram-se no período que deglute a Semana Académica de Lisboa.
É de notar que não me refiro a este franchising de “festividades dos estudantes” por particular apreço, nem por nenhuma particularidade que a esta seja particular [a prová-lo estão as 13 Semanas Académicas em 13 zonas de Portugal no ano passado. A conta deste ano, por preguiça, não a sei mas “é possível – porque tudo é possível” – que o número tenha crescido, o que não falta por aí é o nascimento da “tradição”], mas porque por esta altura, andar de metro, passear pela cidade ou comer na cantina da Escola implica piscar o olho a cartazes que a anunciam.
O preço na festa
A serenata, a garraiada, o arraial, o festival, a missa. Enumerado assim nem parece que este hoje é mesmo hoje.
A abrir a semana estão as Tunas com a serenata no Panteão Nacional em Lisboa e na Sé Velha em Coimbra. As Câmaras e as Juntas de Freguesia são um bom apoio institucional, da cedência dos espaços ao apoio financeiro à integração oficial da festarola nas “festas da cidade”.
Na garraiada as capas negras invadem as Praças de touros mais habituadas a outras cores [não menos recrimináveis].
Com o pagamento de 3€ a 60€ [conforme], ingressa-se no festival. Um cartaz igual, sempre igual! O espaço musical fecha-se para o orgulhoso vitalício tributo ao Quim Barreiros, para todas aquelas bandas que sabemos que vão lá estar e para as tunas [vide cartazes de todos os anos de todas as semanas académicas]. A dimensão da variedade e da abertura cultural é precária, mas afinal por quem é ditada?
Com os 5€ pagos na inscrição, a missa e a bênção das fitas, por vezes a abrir a semana, por vezes a encerrá-la [é conforme o ano] entope a linha de metro que leva até à Alameda da Cidade Universitária. O Senhor Patriarca benze as fitinhas numa cerimónia de corpos escaldados pelo sol de Maio e pela emissividade característica dos negros trajes.
O preço da festa
É uma boa época para as Lojas Académicas, sempre perto das Faculdades, que fornecem a “bom preço” todo o equipamento imprescindível à comercializada – vendida e comprada – imagem “tradicional” mas actual do estudante universitário. Capa para rasgar, saia feita à medida [não vá correr o risco de desrespeitar o código que dita os centímetros a que deve estar abaixo do joelho], símbolos da bandeira do país ao da Junta de Freguesia, da irmã ao da tia afastada... é entrar e escolher! E rápido porque pode esgotar.
Conteúdos invariáveis com o contexto. Os orçamentos, sim, esses variam nunca abaixo dos milhares. Em 2005, o orçamento da queima das fitas em Coimbra foi de 1,6 milhões de euros e em 2006 de 1,25 milhões.
Dinheiros vindos do apoio institucional das Câmaras e Juntas [como acima referido], de patrocínios e bilheteiras, cobrem o orçamento a não ser em caso de fraude com direito a investigação por parte do Ministério Público, como em 2005 em Coimbra. Parcerias, concessões... vale de tudo para que a festa seja feita [e não para que se faça a festa]. As Associações e Federações Académicas criam Comissões Organizativas próprias e tratam de abrir concursos públicos.
Visitando o site da Queima das Fitas deste ano em Coimbra, deparamo-nos com vários:
- concurso para a concessão de exploração comercial e bebidas,
- concurso para a concessão de exploração de comidas, pipocas, algodão doce e farturas;
- concurso para fornecimento de material gráfico de divulgação;
- concurso para produção das “Noites do Parque” - Palco Principal;
- concurso para fornecedor oficial da queima das fitas 2007
- concurso para Produção, Decoração e Catering do Baile de Gala das Faculdades e Chá Dançante.
Empresas privadas concessionam o espaço da festa para os estudantes [de discotecas a casinos]. Empresas privadas fornecem oficialmente, com direito a exclusividade, a festa para os estudantes. Empresas de segurança privada controlam os excessos na festa para os estudantes. Empresas privadas exploram a restauração na festa para os estudantes. Empresas privadas produzem a festa para os estudantes. Empresas privadas tratam da divulgação da festa para os estudantes. Empresas privadas vendem a imagem destes estudantes.
Esta imagem vendida, consumida, recriada, deturpada, tradicionalizada e estupidificante constrói o seu caminho mal se chega à Escola. Dos kits do caloiro às praxes da tradição. Das festas das associações de estudantes às festas das associações académicas.
O controlo do mercado sobre estas festas não vem descontextualizado de um novo paradigma que lentamente privatiza a Escola Pública. O seu espaço é vendido a residências permanentes de instituições bancárias. A estas, é atribuida a exclusividade do tratamento da informação de cada aluno que queira ter um cartão de estudante. As aulas adaptadas aos curriculos de Bolonha, prometedores de uma maior articulação com o mercado de trabalho, são tidas em salas renovadas por altruistas empresas, no âmbito do Estatuto de Mecenato, que as baptizam segundo a sua própria sigla ou marca.
Aos bocadinhos estes nomes vão ocupando os nossos Espaços. Aos bocadinhos vamos achando que é normal. Aos bocadinhos até achamos que só nos faz bem [afinal as salas melhoraram]. Aos bocadinhos as propinas aumentam. Aos bocadinhos transita-se para Bolonha. Aos bocadinhos desocupamos os Espaços. Aos bocadihos ocupam outros por nós. Aos bocadinhos se burocratiza. Aos bocadinhos se institucionaliza. Aos bocadinhos se privatiza.
Texto de dan.i.ela para a Toupeira de 2007
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Semana Anémica
Publicada por m.a.t.a. em segunda-feira, maio 25, 2009
Etiquetas: Cartazes, Queima das fitas, Semana Académica
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1 comentários:
Que texto tão bom!
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