segunda-feira, 8 de junho de 2009

Estamos cá, porque nunca fomos embora

Publicado no blog Reunião Geral de Alunos por João Curvêlo (ISCTE) a 12 de Mai de 2009

Completam-se, precisamente no dia em que o Expresso divulga a lista dos futuros autores do blogue "Reunião Geral de Alunos", trinta e cinco anos da revolução que pôs fim a quase meio século de ditadura. Sophia de Mello Breyner escrevia, no próprio dia 25 de Abril de 1974, que foi esse o momento em que "emergimos da noite e do silêncio". A primeira grande questão é, exactamente, a do silêncio.

Noutra frente, Boaventura Sousa Santos, sociólogo da Universidade de Coimbra, sistematiza a outra grande questão da democracia moderna: "Temos direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza." A democracia implica a diferença. Por ela existe e para ela existe. A democracia, aliás, é a própria diferença: sem ela, e sem confronto de opiniões e de ideias, caímos no anglicanismo e no silêncio. A democracia, enquanto sistema mas também enquanto aspiração, é o poder das maiorias no que às decisões colectivas diz respeito; mas é, ao mesmo tempo, o respeito pelas minorias no que diz respeito aos direitos de cada um. Esta dupla vertente, que coloca um ponto de equilíbrio entre direitos individuais e direitos colectivos, não pode deixar de questionar quem, como eu, acaba de ingressar no ensino superior.
A praxe académica, ritual de (des)integração dos estudantes no ensino superior, é o silêncio. É-o porque não há espaço para o confronto de ideias. Que dirão as praxes sobre o nosso tempo aos tempos que hão-de vir? O que devemos, hoje mesmo, dizer nós sobre isso?
Ninguém me tira da ideia que, pudesse o Eça regressar, muito havíamos todos de nos divertir com a "praxe do Eusebiozinho"; ou mesmo com o episódio do "Eusebiozinho chega a supremo Dux Veteranorum". E uma semana inteira durou, este ano, o cortejo dos eusebiozinhos - tão obedientes e formatados, tão vazios de alma, todos dispostos a debitar em coro a obediência acéfala ao cancioneiro monótono mas jactante das hierarquias. "Quem é estúpido? Eu(zinho). Rasteja! Rastejo(zinho)"...
A praxe, ao nível simbólico e cultural, é também ela representativa deste outro silêncio que se tem vindo a instalar nesta geração que agora chega ao ensino superior. E representa, ao mesmo tempo, um inquietante desprezo pelo direito à diferença de cada um.
Porém, o pensamento é o pior inimigo do conformismo - e, por consequência, de rituais como a praxe. Quem pensa, sempre muda. E quem muda sempre alcança.
Hoje, como sempre, o mundo é um todo em movimento. E, entre o passado e o futuro, havemos de nos encontrar nalgum sítio.

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