Julgamento das praxes violentas na Escola Agrária de Santarém está a chegar ao fim
Testemunha confirma que caloira se recusou a ser praxada com bosta
Dois professores da escola, um deles o presidente do conselho directivo em 2002, confirmaram ao tribunal que os excrementos podem ser transmissores de doenças, mas defenderam a normalidade das praxes utilizando bosta.
Uma das testemunhas arroladas pelo Ministério Público confirmou em tribunal que a caloira da Escola Agrária de Santarém que se queixa de ter sido submetida a praxes violentas, se recusou a enfiar a cabeça dentro de um penico com excrementos de animais. As declarações de Bruno Cavaleiro vêm contrariar outros testemunhos que têm apontado para o facto de Ana Francisco não se ter declarado anti-praxe e de não se ter oposto a ser praxada.
A testemunha começou por dizer que não se recordava muito bem do que se tinha passado no dia 8 de Outubro de 2002 quando Ana Francisco foi besuntada com esterco e mais tarde enfiada de cabeça para baixo num penico com bosta. Respondendo a perguntas do procurador do Ministério Público, Bruno disse inicialmente ter reparado que a colega “estava muito calada mas nada mais que isso”. Confrontado com as declarações que tinha feito ao juiz de instrução criminal em 2005, a testemunha acabou por confirmar uma versão diferente.
Nas declarações feitas na altura, lidas na última sessão de julgamento, Bruno Cavaleiro dizia que Ana Francisco “estava perturbada e parecia que chorava”. E acrescentava que um dos sete arguidos disse à caloira para fazer o pino e meter a cabeça dentro do penico, “acção à qual ela se recusou”. Perante isto a testemunha confirmou que o que disse em sede de inquérito “é o que se passou de facto”, justificando a versão contraditória que estava a apresentar com o facto de já ter passado muito tempo e já não se lembrar bem da situação. A testemunha não conseguiu explicar ao tribunal de que forma a queixosa manifestou a recusa.
Na mesma audiência foi ouvido o presidente do conselho directivo da escola na altura, Henrique Soares Cruz, que disse achar as praxes na escolas agrárias normais, explicando que no exercício da sua profissão de veterinário já ficou sujo com bosta de vaca muitas vezes. Soares Cruz disse também não conhecer nenhum fenómeno de rejeição dos alunos às praxes enquanto dirigiu o estabelecimento de ensino superior. O Ministério Público perguntou se de acordo com a sua consciência ética considerava ofensivo uma pessoa ser untada com bosta, ao que Soares Cruz disse: “Acho que não”.
Nesta sessão o juiz estava interessado em esclarecer as implicações na saúde para uma pessoa que é besuntada com excrementos no corpo, começando por perguntar se os veterinários quando precisam de fazer apalpações rectais nas vacas não se protegem. Soares Cruz confirmou que sempre que há luvas usam-se. A testemunha confirmou que o esterco é um factor de transmissão de doenças, mas garantiu que os alunos não corriam riscos porque os animais da escola estavam rastreados e não tinham doenças.
Luís Filipe Almeida, também veterinário e professor na Agrária em 2002, confirmou a situação, mas ressalvou que muitas vezes não se usam luvas porque é mais fácil fazer a apalpação ou porque estas se rompem facilmente. “Para nós o contacto com as fezes é rotineiro”, sublinhou. O Ministério Público, perante mais um testemunho a defender a normalidade das praxes com bosta, perguntou à testemunha: Se isto é tão natural porque é que todos sentem desconforto em dizer quem mandou” praxar a caloira. Ao que Luís Filipe Almeida respondeu que “do ponto de vista cultural há reservas sobre a questão de lidar com as fezes, até com as dos bebés”.
O tribunal marcou a próxima sessão do julgamento para dia 7 de Abril, altura em que pretende terminar a audição de testemunhas.
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