segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Dois textos, uma opinião


De volta ao UELine, site da Universidade de Évora, no seu espaço onde diversos membros da Universidade expressam a sua opinião sobre a praxe, reproduzo dois textos da Professora Sara Marques Pereira do Departamento de Pedagogia e Educação:

Afinal Darwin estava errado De novo, nestas três décadas, assistimos a deploráveis actos de praxe um pouco por toda a UniverCidade. Alunos mais velhos, que pelo simples facto de o serem, se sentem no inexorável direito de vexar os mais novos nas formas menos higiénicas e até pouco imaginosas. Muitos destes actos provocam a compreensível indignação na Academia, que devendo ser um espaço de cidadania, se transforma nos meses outonais, por motivo das praxes, nesta carnavalização de não-cidadania. Dos alunos mais novos nada digo, mesmo daqueles que suposta e alegremente se compadecem nesses rituais de integração - os denominados "bichos". Mas dos mais velhos, esses sim, pois, contrariando os princípios darwinianos, parece que não evoluíram quando passaram de "bichos" para outra escala.

Negros Hábitos ou a Praxe da Praxe
Abriu a caça ao caloiro, começaram as faltas às aulas e as acções de humilhação e prepotência colectiva perpetradas por alguns alunos de negras capas - É a estação das praxes. É para mim uma estação cinzenta, quando não negra, que chega por esta altura.
Devo dizer que fico sempre revoltada quando vejo estas manifestações pela rua e pelos espaços da universidade. Porque que é que se foi buscar o que há de pior na instituição militar? Porque não se acolhem os alunos como deve ser? Quem vem de novo tem tanto para conhecer, nesta cidade tão fantástica para estudar e viver. Precisa que lhe ensinem os sítios dos sítios, que lhe expliquem como funciona a casa, enfim, como se pode divertir e trabalhar.
Os caloiros são tipicamente alunos muito jovens, muitas vezes nunca estiveram fora de casa e se vêm confrontados com estas violências. Para os mais velhos, os que praxam, eles, caloiros, têm de passar por isso porque é uma forma de integração, ou de iniciação, porque eles também já passaram. É então uma forma de vingança? Para a vida escolar o descalabro não é menor, são aulas adiadas, alunos que faltam, e por aí adiante. Praxados são também os professores.
Desculpem os supostos defensores da tradição académica, mas isto não tem nada de tradição e muito menos de académica, tem é muito de negros hábitos, expondo o que o ser humano tem de pior nas situações em que se sente com poder sobre os outros.

5 comentários:

Ângela & Rita disse...

Julgo de facto muito pertinente, e até de boa fé, exprimir a opinião pessoal na tão vasta blogosfera. De qualquer maneira, acho que é preciso ter em atenção o que se diz. Contextualizar e, talvez o mais importante, não generalizar. São aluna do 3º ano de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, e cada caso é particular na sua constituição. Tudo isto para dizer que só vai à praxe quem quer. Para quê falar da mesma como se fosse um crime, uma obrigação? Para quê fazer movimentos para acabar com a praxe se ninguém é obrigado a nada? Cada academia tem a sua tradição, cada curso tem a sua forma de praxar e considero uma tremenda falta de cérebro tratar a praxe como se do serviço militar obrigatório se tratasse. De fac to quem está na praxe gosta de lá estar, caso contrario não estaria lá. Pois, mais uma vez sublinho, ninguém é obrigado a comparecer!

Sara Coimbra disse...

Não creio que seja bem assim. Os novos estudantes têm necessidade de se integrar e a pressão que é feita sobre eles para participarem na praxe é exagerada. Os "doutores" querem ter caloiros para praxar e dão a entender que estes, não indo à praxe, estarão isolados.
Para além disso, lutar contra algo de que se discorda é compreensível e mostrar aos novos estudantes que existem outras maneiras de eles se integrarem sem terem que andar de quatro é algo a apoiar.

Anónimo disse...

Eu não fui à praxe e fui isolado. E continuo isolado: estou sozinho no terceiro ano enquanto os senhores doutores super importantes na praxe andam a fazer cadeirinhas de primeiro e segundo.
Mais vale sozinho que mal acompanhado - uma grande verdade.

Ângela & Rita disse...

Tenho de discordar caro António. Como já referi, sou aluna do 3º ano e estou, efectivamente a acabar o meu curso. Não tenho uma única cadeira para trás, tendo até uma média razoável. Tenho ainda tempo para escrever para 4 jornais universitários e não é a praxe que me atrapalha. No entanto, há de facto diferentes formas de definir prioridades. Além do mais, o facto de ter sido isolado, continuar isolado - mesmo sem cadeiras para trás -, e continuar 'feliz', está relacionado com a forma como cada um vê a experiência universitária. Para mim, não é só estudo, não são só bebedeiras, não é só praxe. É tudo isso junto, sabendo gerir o tempo e, sublinho, as prioridades. Seja o curso que for, a interacção com as pessoas, o saber lidar com as diferentes 'gentes' é uma mais valia para o mundo real. E isso, nenhum cientista, nenhuma cadeira nos pode fornecer.
Cara Sara, recentemente fiz uma reportagem sobre como os alunos Erasmus viam a praxe, e a verdade é que eles mostram bastante interesse na mesma. Acham divertido e, passo a citar "se não magoar ninguém, porque não?". Faço dela as minhas palavras: se realmente as pessoas gostam de lá estar, se realmente as pessoas se divertem e são os próprio caloiros que pedem para serem praxados até mais tarde, porquê acabar com esta tradição?

serraleixo disse...

Evidentemente, que cada um reage à e lida com praxe como entende e como consegue. Mas é inegável que a praxe dura demasiado tempo e impede, pessoas menos energéticas do que a Ângela & Rita, ter uma vida tão diversificada como ela deveria ser. Eu notei isso na minha faculdade e na participação dos alunos nos diferentes núcleos de estudantes que conheci (fotografia, xadrez, rádio, astronomia,...): a actividade foi decrescendo à medida que as praxes duravam mais e mais gente aderia a elas, até muitos desses núcleos se extinguirem.
Para mim, neste caso, a questão é, culturalmente, recreativamente, o que é mais interessante? Aqueles núcleos ou a praxe?
Que haja pessoas que se divirtam na praxe, eu percebo. Há pessoas que se divertem com as maiores patetices possíveis imagináveis.
Se não ocupasse tanto tempo aos estudantes e se não espezinhasse a iniciativa que eles podem ter, e fosse apenas um resquício podre do passado, até nem me importava tanto. E esperaria tranquilamente pela decadência e morte da praxe.
Porquê acabar com esta "tradição"?
Por todas as razões possíveis. Estas que te disse agora e outras que poderás ler neste blogue. Vê por exemplo os últimos posts que fizemos e diz-nos o que achas deles.