segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Já sabemos: quem não vive a praxe não sabe o que ela é.

A praxe é um mundo obscuro e distante escondido dos olhares de todos. Poucos são os que se conhecem que tiveram oportunidade de vislumbrar um acontecimento destes. A praxe é secreta e ninguém sabe o que é. Muitas vezes nem os próprios que praxam, e que por vezes "abusam" e portanto não praxam. "Abusam, não praxam", repetem-nos da sua torre de marfim. Os seus códigos bem definidos são apenas perceptíveis por algumas dessas almas geniais, todos os outros são hereges e incapazes de compreender seja o que for sobre este tema.
Enfim fica mais uma notícia. Desta vez do Jornal de Notícias.

foto: Lisa Soares/global imagens
É o barulho ensurdecedor que caracteriza um cortejo em que não há sinais de crítica nem de contestação.

Mar de caloiros a ribombar pela Baixa fora

Rituais de integração, assim entendem os apaniguados da praxe académica, os que nestas coisas participam, fenómenos como o cortejo da latada, que ontem à tarde tomou conta da Baixa portuense.

Com os céus a fazerem tréguas e o Sol quase invernal a mostrar-se, era em terra que trovejavam latas, tambores, bidões, buzinas e vozes esganiçadas dos alunos de primeiro ano, orientados por aqueles que, com o emagrecimento curricular de Bolonha, têm já ares doutorais ao fim de dois anos.

Cerca de dez mil estudantes, enquadrados à margem das ruas pela pequena multidão de familiares e curiosos que se junta nestes momentos (bem menos do que nos cortejos da Queima das Fitas), fizeram barulho, barulho e mais barulho.

As latas de bebidas, muitas pintadas com as cores dos cursos, muitas outras ostentando as marcas de refrigerantes ou de cervejas, são o ingrediente primordial, produzindo tal algazarra que até os dizeres dos caloiros, enaltecendo as respectivas escolas, se tornam praticamente indecifráveis.

Juntam-se-lhes outros artefactos, dos tradicionais tachos e panelas às modernas sirenes eléctricas montadas em carrinhos de compras de supermercado.

Com a novidade de as latas que ficavam pelo chão serem recolhidas (por caloiros, claro), para evitar o tradicional rasto caótico, os estudantes desceram dos "Leões" até à Praça da Liberdade, subindo a Avenida dos Aliados até junto dos Paços do Concelho, onde prestaram juramento, e regressaram à origem.

Nesta ocasião, por comparação com o que se passa na Queima, há muito menos euforia etilizada, embora se rasteje muito mais pelo chão. Só alguns dos ditos "doutores", trajando capa e batina e empunhando colheres de pau ou mocas de Rio Maior, procediam ao exercício do levantamento do copo de cerveja.

Entre os caloiros que alinham na praxe, é unânime a importância de que este ritual se reveste. É a semana deles, numa forma que jamais será repetida, é a celebração das novas amizades que se criam, muitas das quais perdurarão pela vida fora, é o processo de integração numa realidade que, embora efémera, lhes parece agora a coisa mais importante do mundo.

O mesmo entre os que já estão mais avançados nos estudos. No passeio da Rua dos Clérigos, uma estudante era chamada para a fotografia por amigos que estavam no cortejo, com os tais símbolos de autoridade de madeira feitos. E não queria: "Ai, não acredito! Eu estou 'destrajada', não me tragas para aqui".

"Destrajados" ou não, muitas vezes destravados, destramam tudo o que possa obstar aos alegres relacionamentos e à integração. Pelo menos, julgam que sim.

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