terça-feira, 23 de novembro de 2010

"Praxes académicas: sim ou não?"

Publicamos, finalmente, os dois artigos de opinião publicados no número 3 da Improp, a revista da da associação de estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, com o tema das praxes. O primeiro foi escrito por João Luís Jesus, dux veteranorum e membro da Associação Académica de Coimbra. O segundo foi escrito por nós com base em alguma bibliografia.

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O que é a praxe académica, que significa?
Referindo-me sempre a praxe académica como a Praxe Académica Coimbrã, única e exclusivamente, esta é o aglutinar de todos os usos e costumes praticados ao longo das diversas gerações que pisaram as lajes e trilhos da Universidade de Coimbra. Representa todas
as vivências, as alegrias e as revoltas, os amores e os dissabores, o sucesso ou a raposa. A Praxe Académica Coimbrã não assenta numa postura redutora e simplista da interacção com os recém-chegados, na primeira semana de cada ano lectivo. Esta existe ao longo de toda a vida de qualquer académico, seja Caloiro ou Veterano; de Licenciatura, Mestrado, Doutoramento, ou de outros cursos de formação sem grau da UC. Engloba ainda estudantes do Ensino Secundário, discentes, docentes ou mesmo, Conimbricenses, sejam Praxístico ou contra. A Praxe Académica Coimbrã, no seu significado mais lato, é o Pulmão e o Coração do dia-a-dia Conimbricense.

A praxe é mesmo uma tradição académica?

Praxe vem do latim Praxis que significa prática. As tradições não passam de actos repetidamente praticados, e como estes são realizados em prol e no seio da Academia de Coimbra, praxe e tradição académica, neste caso, são sinónimos.

As tradições académicas fazem parte da cultura de um povo?
Tendo em conta a envolvência popular da Cidade de Coimbra em torno da Praxe Académica Coimbrã, ano após ano, a Praxe Académica Coimbrã constitui-se como um grande marco identitário de Coimbra, não querendo ser pretensão da nossa parte, em tal afirmação.

Faz sentido existir actualmente a praxe? Porque sim à praxe? O que se pretende com a praxe?
Toda e qualquer pessoa, acima de tudo, deve estar informada. E, reforço, bem informada. No entanto, essa busca de informação parte de cada pessoa enquanto parte integrada numa instituição académica como a nossa. O problema é que as gerações pós-conscrição cada vez mais estão habituadas a seguir o map da sua vida, indicado por um qualquer pseudo-burocrata. A Praxe Académica Coimbrã e o Magnum Concilium Veteranorum, através do Código da Praxe da Universidade de Coimbra, não procuram indicar qual o caminho exacto a tomar, mas sim, balizar os limites do bom senso e da sociabilidade académica numa comunidade de milhares de almas e individualidades diferentes.

Não existe maldade e humilhação na praxe?
Existe em quem a pratica mas não se encontra englobada no Código da Praxe da Universidade de Coimbra, sendo que nesses casos o Magnum Concilium Veteranorum não compactua com tais actos. Os limites da prática praxística – perdão pelo pleonasmo – dão uma liberdade individual que permite que a mesma tenha diversas conotações, conforme o caso, o lugar e o momento. Em qualquer situação que o Magnum Concilium Veteranorum seja interpelado, por se suspeitar a ocorrência de excessos, este intervêm rígida e determinantemente, através da sua base codicísta.
Facto é que a Praxe Académica Coimbrã permite a quem fizer uso dela, poder argumentar de forma tão irrefutável que nem o seu interlocutor, por total ignorância da praxe, preguiça de espírito ou conformidade lasciva, perceba os erros do colega, perpetuando, assim, um estado de
espírito anárquico contra-producente.

A praxe continua a ter o mesmo significado e o mesmo objectivo que há 40/50 anos atrás?

A Praxe Académica Coimbrã até 1979/80 esteve sempre em estreita relação e conotação com a irreverência e envolvência política na história do Portugal contemporâneo. Foi a partir dessa altura que se perfilaram outras estruturas, desta vez, democráticas, amplamente representativas da Academia de Coimbra e gradualmente imparciais dos poderes da Capital. Neste sentido, o Magnum Concilium Veteranorum debruçou-se sobre o seu verdadeiro papel, o da regência da identidade praxística coimbrã. Como tal, a Praxe Académica Coimbrã não pretende afirmar-se dentro de qualquer segmento da política partidária actual portuguesa, pelo contrário, defende o livre pensamento e escolha.

Pode um aluno recusar a praxe, que lhe acontece?
Pode, se assim for a sua vontade. O que lhe pode acontecer? Nada. Cada um é livre de escolher o caminho da sua iluminação cognitiva, tendo o poder de decisão em relação a adesão ou não da praxe mediante aquilo que lhe é proposto. Todo e qualquer aluno que sinta a sua integridade física ou psicológica posta em causa, em qualquer momento da praxe, é livre de a recusar e de a abandonar se assim for o seu desejo, sem que por isso tenha de se declarar contra a praxe. Todo e qualquer aluno, pertencente à Universidade de Coimbra, possui o livre arbítrio de aderir ou não ao espírito académico na qual se baseia a prática praxística sem qualquer represália sobre a sua decisão. No entanto, a postura assumida pelo estudante deve ser coerente ao longo do seu percurso académico.

O que pensam do MATA?
Desde de 1974, Portugal vive em democracia, como tal, todos têm direito a exprimir as suas opiniões livremente. O MATA é um grupo de pessoas que defende uma opinião e como tal deve ser respeitado, assim como aqueles que defendem posições com outra orientação.

Cum bona gratia Dux Veteranorum dimittere
João Luís Jesus
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O que é a praxe académica, que significa?
A praxe académica, no sentido estrito entendida como o conjunto de actividades que os veteranos impõem aos caloiros durante o início do ano lectivo, tem todas as características de um ritual de passagem. Deste modo, a praxe representa uma elevação (apenas aparente) do
estatuto social, onde nos deparamos com um processo de nivelamento, uniformização, rebaixamento, onde os caloiros assumem um papel de submissão perante o papel de domínio interpretado pelos veteranos. Não havendo regras bem definidas, nem sendo claro o programa de actividades desse período, observa-se de tudo na praxe, desde o mais lúdico ao mais humilhante. A provação iniciática, comum, partilhada e dolorosa, contribui para o fortalecimento das relações interpessoais e para a perenidade dessas “ligações” criando a sensação de integração e de pertença a um grupo.
Num conceito mais lato, a praxe académica é toda a panóplia de práticas rituais, formais e festivas, acompanhadas por uma constelação de imagens, de objectos e de mitos, associada aos estudantes universitários. No entanto, a praxe académica representa apenas uma parte da vida de um estudante universitário, podendo este ter uma actividade cultural, recreativa, desportiva e intelectual completamente dissociada daquela.

A praxe é mesmo uma tradição académica?
O que se observa na maioria das universidades do país não é mais do que uma tradição inventada, ou seja, muitas das práticas que são tidas por antigas são recentes na sua origem e muitas vezes inventadas. Isto é, muitas dessas práticas, tendo tido existência real no passado, são muito tempo depois resgatadas para contextos muito díspares daqueles que as viram nascer. Quer isto dizer que o que designamos no presente de tradição é menos o que nos chegou do passado mas mais o que escolhemos do passado para lhe dar continuidade. O resgatar desses hábitos antigos serviu apenas para determinadas universidades, recentes e sem história, principalmente universidades privadas, construírem e afirmarem uma identidade universitária e, assim, alimentar o sentimento corporativo de superioridade das elites – principalmente quando estas são recrutadas entre aqueles que não lhes pertencem pelo nascimento ou imputação.

As tradições académicas fazem parte da cultura de um povo?
Se se quiser e fizer por isso – fazem parte; se não se quiser – deixam de fazer. Por princípio opomo-nos a qualquer cultura de estagnação, ou seja, a qualquer cultura de massas. A desconfiança a respeito da cultura de massas repousa fundamentalmente em três receios:
1. que ela reduza os seres humanos ao estado de massas e entrave a estruturação de indivíduos emancipados, capazes de discernir e de decidir livremente;
2. que ela substitua, no espírito dos cidadãos, a legítima aspiração à autonomia e à tomada de consciência por um conformismo e uma passividade perigosamente regressivas;
3. que ela propague, por fim, a ideia de que os homens desejem ser fascinados, desviados e enganados na esperança confusa de que uma espécie de satisfação hipnótica os fará esquecer, por um instante, o mundo absurdo, cruel e trágico onde vivem.

Faz sentido existir actualmente a praxe?
Faz sentido como reflexo da própria sociedade, uma sociedade decadente e em declínio. Não faz sentido, se o que se pretender for reverter esse processo.

Porque não à praxe?
Porque há outras formas, como sempre houve, de conhecer pessoas, de entrar e conhecer novos lugares, de participar na vida colectiva, de nos relacionarmos uns com os outros (mais ou menos semelhantes a nós), e por todas as outras razões.

Como e porquê surgiu o MATA?
O MATA surge no início da década de 90 na FCSH-UNL, num contexto de grandes contradições. Em 1992, Cavaco Silva implementa a Lei das Propinas, embora com uma forte contestação. Alguns anos antes, e num curto período, aparece um enorme número de novas universidades, muitas delas privadas. Este boom é acompanhado pelo ressurgimento das praxes e outras tradições académicas – depois de abolidas em Coimbra em 69.
Nesta altura o MATA era pouco mais que uma sigla para chatear, reproduzida por gente que lutava contra as propinas e se irritava com o avanço conservador nas faculdades. As praxes e a sua miríade de discriminações associadas, o conservadorismo, o elitismo, com ou sem propinas, estavam aí à espera de ser combatidos.

Estão ligados a algum partido ou movimento político?
A resposta é obviamente não, pois um assunto como este não é propriedade ideológica de qualquer partido. Seria tão absurdo como perguntar se determinada comissão de praxe ou conselho de veteranos está associada a algum partido. De qualquer das formas, achamos que está no direito de qualquer pessoa militar no partido que entender.

Como dão a conhecer as vossas ideias, quais são as vossas acções?

Em vez de organizar praxes preferimos organizar actividades em que todos se sintam iguais com as suas diferenças e onde possamos criar objectos que reforcem o nosso desejo de mudar as nossas formas de estudar, de nos divertir e de viver. Partindo dessa vontade, o MATA já criou, colou e distribuiu centenas de cartazes e panfletos e pintou dezenas de murais, já organizou vários debates e duas festas, editou oito Toupeiras – o jornal do movimento –, um vídeo e o CD “Não resistir só e não só resistir”, que junta as músicas de várias bandas pouco tradicionais que continuam a não querer acomodar-se.

São contra as tradições académicas em geral ou apenas a praxe?
O Movimento Anti “Tradição Académica” opõe-se a toda a actividade estudantil que se proponha como tradição académica com o intuito de assim se legitimar perante os outros e de assim se fazer perpetuar. Opomo-nos à ideia de que os estudantes universitários se vestem de uma única maneira, tocam um único estilo musical e são um grupo intrinsecamente distinto de todas as outras pessoas que frequentam uma universidade ou uma cidade.

Apesar da vossa posição acham que poderá haver coisas boas na praxe?

De todas as experiências humanas podem sair coisas boas, desde que se faça por isso. A praxe não é excepção. No entanto, não é por isso que se deve defender a praxe.

MATA

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