sábado, 27 de junho de 2009

Supremo Tribunal de Justiça dá razão a Ana Sofia Damião

Instituto Piaget condenado a pagar indemnização de 38 mil euros

Esta semana chegou ao fim um dos processos mais importantes relacionado com a praxe académica. Ana Sofia Damião, na sequência de um processo cível em que exigia que fosse reconhecida a responsabilidade do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros, vê mais uma vez reconhecidos os factos relacionados com a praxe a que foi sujeita.

Ana Sofia Damião foi, no ano lectivo de 2002/2003, sujeita às violências da praxe: insultada, obrigada a despir-se e a vestir-se novamente, forçada a simular orgasmos e relações sexuais com colegas, a relatar pormenores da sua vida sexual e intimada a insultar os seus pais. O inconformismo fez com que a aluna se queixasse junto da Escola e do Ministério, tendo resultado a abertura de um inquérito pela Direcção do Instituto Piaget de Macedo de Cavaleiros. Inacreditavelmente, agressores e agredida foram sancionados, por igual, com uma repreensão escrita – a Ana Sofia “pela forma subjectiva excessiva como relatou os factos, que sabia não terem a gravidade que decorre da sua exposição”; os agressores “por não terem a preocupação de avaliar se as ordens da praxe poderiam ferir susceptibilidades individuais”.
A indiferença demonstrada por esta direcção é agravada pelas declarações de um antigo docente e membro do Concelho Pedagógico e Concelho Científico do Piaget de Macedo, que afirma que esta direcção estava claramente a tentar obter o máximo de aproveitamento publicitário de toda a situação.
Ana, abandonada por todos os que tinham responsabilidades no processo – Direcção do Instituto Piaget, Ministério com a tutela do Ensino Superior, Associação de Estudantes, Comissão de Praxe –, vê-se forçada a abandonar essa escola e tentar ingressar noutro instituto (o que consegue!). Mas o caso não ficaria por aqui.

Na sequência da queixa-crime que interpôs, vem a surpreendente decisão do Tribunal de Macedo de Cavaleiros, que se decidiu pela não existência de julgamento. De facto, apesar do juiz ter reconhecido todos os actos (crimes, portanto!) de que Ana se queixava, argumentou que por não se ter declarado anti-praxe, deu consentimento para ser submetida a qualquer prática, independentemente da sua natureza. Inacreditavelmente, foi reconhecida maior legitimidade “às leis da praxe” do que às leis do país. Ficaram por julgar os crimes da praxe.

Mais tarde, Ana avança com um processo cível contra o Piaget de Macedo de Cavaleiros. Perdido o processo-crime contra os agressores, exigiu na altura a responsabilização da escola – 70 mil euros pelos “danos morais e patrimoniais” decorrentes de todo o caso. Esta foi a primeira vez que uma instituição do Ensino Superior foi chamada à barra dos tribunais e obrigada a assumir a sua responsabilidade na praxe e a justificar a conivência com a violência.
O Tribunal de Macedo de Cavaleiros declarou como provadas as seguintes situações: a direcção IPMC tinha conhecimento e aceitava com naturalidade a existência e o conteúdo das praxes no Instituto, nomeadamente porque aceita e legitima o dito "Código de Praxe"; a direcção do IPMC conheceu, em tempo útil, os factos ocorridos com a Ana Sofia Damião, que deram origem a este processo; a Ana ficou revoltada, triste e humilhada na sequência do ocorrido; a degradação do estado de saúde da Ana, consequência de todo o processo, levou-a a abandonar a faculdade.

Esta foi, sem dúvida, uma decisão inédita e da maior importância. Foi a primeira vez que um tribunal reconheceu as responsabilidades objectivas de uma direcção de uma universidade relativamente a esta temática. A coragem da Ana, que nunca desistiu perante as arbitrariedades e contrariedades que enfrentou nos últimos anos, já valeu a pena.

Foram interpostos vários recursos, até que o processo chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. Soubemos hoje que foi, inevitavelmente, dada novamente razão a Ana Sofia Damião, tendo o Instituto Piaget sido condenado a pagar uma indemnização de 38 mil euros.
Mais do que o valor monetário que foi atribuído à Ana – sempre muito pouco “compensador” para todas as dificuldades e injustiças que teve de enfrentar – o que verdadeiramente está em causa é saber que a persistência de quem não cruzou os braços perante as adversidades e enfrentou todos os poderes tem direito à merecida justiça. Contudo, não podemos também deixar de dizer que este é apenas um caso entre tantos outros que, não tendo chegado à Justiça, acabam por ficar à mercê da impunidade e aproveitamento.

Não podemos deixar de saudar a Ana, a sua coragem e determinação. É um grande incentivo e exemplo para todos, nomeadamente para aqueles que para quem este caso motiva a romper o silêncio que muitas vezes envolve experiências semelhantes de coacção, violência e humilhação.

Basta constatar que, na sequência da sua denúncia, muitas outras situações foram expostas.
Recordamos o caso da Ana Santos, que denunciou as práticas de praxe decorridas na Escola Superior Agrária de Santarém em Outubro de 2002. Também após um longo processo se assistiu a uma decisão inédita: em Maio de 2008 Seis arguidos, acusados do crime de ofensa à integridade física qualificada, e o sétimo, do crime de coacção, foram condenados a pagar multas entre os 640€ e os 1600€.
Não podemos também deixar de falar no caso do Diogo Macedo e na esperança de que o inquérito recentemente instituído esclareça as causas da sua morte.

A impunidade já não é uma realidade. A conivência com a violência e práticas humilhantes e subjugantes tem um preço. Esta decisão obriga a uma reflexão na escola, na comunidade estudantil, na sociedade. Obriga a que seja questionada a cultura do medo, violência e coação que existe e é cultivada no ensino. Exige que seja reclamada uma escola em que os estudantes são iguais, em que a integração não significa subjugação, em que a democracia não fica à porta. E faz com que as entidades responsáveis pelas várias instituições do ensino superior percebam que simplesmente proibir a praxe não serve. Já não chega olhar para o lado.
Estes casos demonstram claramente que as leis da praxe não são e nunca poderão ser diferentes daquelas que recaem sobre os restantes cidadãos.

Media: TVI-online, TVI-telejornal (aos 32m50), Diário-IOL, Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Rádio Brigantia
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Neste blog: 23.ABR.08, 4.DEZ.08, 5.DEZ.08

6 comentários:

João Jesus disse...

Denoto que poucas pessoas deixam aqui os seus comentarios portanto achei melhor deixar o meu contributo... conheci apenas recentemente este blog e apoio a sua causa... os anti-praxe sao poucos e menos ainda aqueles que querem intervir e fazer alguma coisa contra o assunto e contra o rapto da vida social a troco do orgulho pessoal... Um anti-praxe ja por si sofre, pelo que estar calado parece ser, de facto, a melhor opção para sobreviver aos agora 3 anos de licenciatura com o minímo de sanidade mental. Lutar contra a praxe é essencialmente lutar sozinho e contra uma multidão que aparenta ter como unico objectivo de frequentar a faculdade a praxe e o uso de traje que deixa as mamãs tão orgulhosas...

André disse...

Estas novas escolinhas como Instituto Piaget deviam ter uma praxe declaradamente à americana, sendo meio de recepção aos novos alunos envolvendo toda a comunidade académica, pois é completamente ridículo andarem trajados em nome de uma tradição que nunca existiu e que alguns iluminados se lembraram de reinventar à sua imagem!
A tradicional praxe só fará sentido em instituições com historia, onde realmente é tradição e porventura se tentam transmitir alguns valores, o resto são brincadeiras de universitários que como esta, às vezes correm mal onde se vai deturpando o sentido da praxe à imagem de cada um.
Assim este "ataque" deve começar nas universidades mais recentes com a criação de dinâmicas de recepção aos alunos juntando alunos e professores.

Sheep* disse...

escrever a vermelho é má educação.
porque é que não criam um núcleo do mata na FFUL? era capaz de ser uma boa ideia.

Sheep* disse...

outra coisa, o ACTUA não é da fmup, é da fcup... (está na lista dos movimentos)

Anónimo disse...

A praxe é o puro reflexo da sociedade podre que se esta a desenvolver em Portugal. A praxe que se diz integradora, não passa de uma farsa que vem ainda mais a desrespeitar as pessoas com licenciatura. A praxe, como elemento essencial para a integração no ambiente educativo de uma faculdade so leva ao aumento da violencia, dado que quem foi praxado pode praxar, e desta forma "descarregar" a raiva que foi acumulada nos anos de caloiro.
Já não posso esperar nada do governo, já que uma sociedade conformada e sem qualquer tipo de formação cívica vai acabar sempre por aceitar a opinião que lhe é apresentada, mastigada e pronta a engolir, embora na maior parte das vezes errada.
Força Anti-Praxe

Anónimo disse...

Eu sou estudante na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e sou praxista. Tenho a dizer que, o que esses grupos, que desrespeitam e humilham as pessoas fazem, não é praxe nem nada relacionado tem com a praxe. Esses grupos são compostos por pessoas frustradas que pessoalmente me metem nojo. A praxe, a minha praxe, como me foi incutida é algo que todos os estudantes deviam experienciar. Existe uma integração num grupo onde não há grupos, ou seja, quando entramos numa escola, faculdade o que seja vemos grupos de ricos, pobres, gordos, magros o que seja. Na praxe o traje nao deixa lugar para diferenças. Os valores que nos são incutidos durante a praxe são de entre-ajuda, união e respeito. É lindo assistir à serenata ao momento em que padrinhos e madrinhas traçam a capa aos seus afilhados pela primeira vez, acho que não vi uma pessoa que não estivesse a chorar. Bem mas isso não interessa, o que queria mesmo dizer é que se vocês do M.A.T.A. querem ser respeitados como "anti-praxe", respeitem-nos como praxistas, ninguem está em praxe por obrigação e se continuam é porque gostam. Não se tentem ver a voçês proprios como "salvadores, ou libertadores" de alguma coisa ao tentar abolir a praxe pois não são, mostram-se antes pessoas incompreensivas, que generalizam casos particulares para tentarem acabar com algo que muitos estudantes gostam