terça-feira, 21 de setembro de 2010

A praxe fez de mim um homem melhor

«Pronto: agora que chamei a atenção dos leitores com um título anacrónico, já posso dizer ao que venho. Este é um texto que se indigna com algo que muitos não gostam mas habituaram-se a tolerar.

Com o início do ano lectivo, regressam as praxes. Não é um espectáculo bonito: jovens vestidos de negro incitam outros a cantar músicas descerebradas e a gritar frases problematicamente viris. Os primeiros são os "doutores", os segundos são os "caloiros". Os primeiros colocam a pose do pequeno capataz a quem foi conferido um poder maior do que a figura; os segundos andam pintados, amarrados ou de quatro, por vezes visivelmente enfastiados com a personagem que têm de encarnar, mas convencidos de que aquela é uma punição necessária para quem vai viver os prometidos "melhores anos da vida". E esta é a versão "soft". A versão "hard" chega a meter violência física e psicológica em doses que raiam a criminalidade.

As praxes revestiram-se de diversas formas, sofreram inúmeras oposições, estiveram proibidas ou suspensas em diferentes momentos históricos. Durante as décadas de sessenta e setenta, foram vistas como um anacronismo e destinadas ao baú da história. Foi daí que elas saíram já nos anos oitenta, remendadas mas com o devido cheiro a naftalina. Desde então, o florescimento de centros de ensino superior fez com que se difundisse pelo país o que no passado estava praticamente circunscrito a Coimbra. Assim, enquanto se descentralizava e democratizava o acesso ao conhecimento, as praxes instalavam-se com furor, funcionando como um simulacro de elitismo num terreno que se massificava.

Claro que a solução para o problema não passa por policiar as ruas e proibir semelhantes práticas. Cabe essencialmente aos estudantes buscar modos alternativos de relacionamento e de crítica do que existe. Mas é importante que as instituições académicas se lembrem das mortes e dos graves ferimentos que estas brincadeiras já causaram. E, já agora, tenham presente que um tribunal condenou há dois anos o Instituto Piaget a pagar uma indemnização a uma aluna que teve a coragem de levar um difícil processo destes até ao fim, abrindo caminho a que sanções análogas possam ter lugar. Tenho um conselho para que isso não aconteça: comecem por acatar as recomendações que o ministro Mariano Gago teve a felicidade de fazer no ano passado.»

Opinião de Miguel Cardina publicada hoje no Aparelho de Estado e no Vias de Facto.
Leiam também a sua contribuição para a rubrica «O que eu penso das praxes».

16 comentários:

Anónimo disse...

as praxes sao uma estupidez!se o obejctivo é fazer com que os novos alunos se adaptem e se integrem, porque os humilham e os tratam como animais?como é que uma pessoa se pode dar ao conhecimento se nem falar pode?se o unico lugar para onde pode olhar é para o chao? ainda para mais, dizem que nao somos obrigados a ir, nos nao vamos e somos castigados? mas que logica tem isto?
os caloiros sao a forma dos "doutores, engenheiros, etc" se sentirem um maximo, mas esquecem que os caloiros sao tao humanos como eles e têm vida propria, nao podem andar sempre como caes a obedecer!

Anónimo disse...

1º A PRAXE é a integração dos caloiros no seio académico!

2º Não sei em que curso andou, mas os assuntos que relata não se passam no curso do qual faço parte, uma vez que ninguém é agredido e só participa quem quer! Engraçado é ver quem não quis ser praxado e quer praxar! Desses há muitos!

3º A praxe tem e deve ter situações de "extremo", sem qualquer tipo de violência (que repudio severamente), porque todos nós sabemos que é nos momentos de "extremo" que perdemos a vergonha e confiamos no próximo! Esse é o objectivo da praxe! Integrar e dar a conhecer! Os melhores amigos que tenham no meu curso são as pessoas que ficaram ao meu lado na linha de praxe..

Não querem não apareçam!!!!! MAS PRAXE SEMPRE!

Anónimo disse...

1.º A matrícula na faculdade é a integração dos alunos de primeiro ano no seio académico!

2.º Não sei em que cidade vive [o sr. ou sra. 2.º/ª anónimo/a], mas naquela onde me encontro acredito que participa "quem quer" (todos sabemos que não é bem assim...) mas já vi situações de violência física e psicológica. Acredito que haja quem não quis ser praxado e queira praxar, mas mais do que isso sei que a mim me dá muitas vezes vontade de me valer da minha condição de quase-formado (não praxado e orgulhosamente não praxante) para aconselhar certos jovens acerca do que andam a fazer às outras pessoas.

3.º A vida académica - a verdadeira - permite-nos o confronto com situações de "extremo" (ele há exames que são mesmo de extremo! Espero que o/a 2.º/ª anónimo/a saiba o que são exames...). Amigos também eu os fiz em meio universitário, estou com os colegas nas aulas e nos intervalos e aí - acreditem - também dá para criar boas relações. Claro, se for subir a rua da Sé vestido de preto com 20 e tal "carneiros" atrás com um hálito a cerveja que se pode sentir a dois metros - sem exagero - é difícil que no dia seguinte esteja nas aulas...

PS: Ainda hoje passei por alguns jovens no metro que não me pareceram propriamente felizes com as suas pinturas e as suas plaquinhas ao pescoço... Aliás, sei que muitos nem as tiram por ter medo dos "doutores" (curioso que se seja "doutor" logo no 2.º ano do curso, quando para se ser, ao menos, licenciado se demora três anos...) que se os vêm lhes aplicam um castigo. É isto que é integrar, inflamar medo em relação aos colegas mais velhos? OK... Como diria o senhor meu avô "pela aragem se vê quem vai na carruagem".

serraleixo disse...

Mas, ó anónimo das 21:40, qual é o problema de, como tu dizes - "Engraçado é ver quem não quis ser praxado e quer praxar! Desses há muitos!" -, haver quem não queira ser praxado mas queira praxar?
Se a praxe é assim tão boa como tu dizes, primeiro haveria menos gente dessa que tu referes, e, segundo, até seria porreiro haver gente que, apesar de não ter beneficiado da praxe, fosse altruísta o suficiente para perder tempo e praxar outros, não é?

Depois, digo-te, a praxe não integra no seio universitário ou académico como tu dizes. Da universidade faz parte muito mais gente que não são consideradas na praxe (ou passam muito ao lado) e esta é sempre incómoda para estes. Falo dos professores, investigadores, funcionários, visitantes, colegas de outros cursos, colegas do mesmo curso mas de anos mais acima do que aqueles que praxam ou são praxados,...
A praxe apenas integra na própria praxe. Sim, os indivíduos que nela participam sentem-se um grupo. Mas auto-excluíram-se todos os outros que nela não participam. É claro que esta auto-exclusão, com o tempo, diluí-se, mas infelizmente nunca se supera (a madrinha será sempre madrinha, o meu caloiro sera sempre o meu caloiro,...)

3º Descreve-me lá as situações de extremo que referiste para conversarmos mais a sério, se fazes favor.

serraleixo disse...

errata: no penúltimo parágrafo deve ler-se "Mas auto-excluiram-se de todos os outros que nela não participam."

Zé disse...

Bem, antes de tudo, vamos deixar bem claro que só participa na praxe quem quer. E conheço muita gente que nunca andou na praxe e se dá bem com toda a gente por isso ser anti-praxe não significa ser excluído. E aproveito para dizer que sempre me deixaram sair das sessões de praxe quando foi necessário.

Ando na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e posso dizer que, na minha primeira semana de praxe, já há uns aninhos, nunca fui agredido nem nada que se pareça.

A praxe incutiu em mim, e um muitos dos meus colegas, sentido de humildade e respeito pelos outros porque muitos de nós vínhamos para a faculdade com o "rei na barriga" a achar que era tudo nosso.

Diverti-me mesmo muito na praxe, fazíamos brincadeiras hilariantes mesmo, éramos incitados a falar e conhecer os nossos colegas do 1º ano nos momentos de descontracção e até, por vezes, nos foi oferecido um modesto lanche da tarde (pago pelos doutores). Mas claro que houve momentos mais "chatos" em que éramos repreendidos por estarmos distraídos ou por não respondermos com correcção. Mas isso não me matou. Fez de mim uma pessoa mais paciente com certeza.

Também é preciso ver que os próprios doutores despendem do seu tempo para praxar enquanto podiam estar a fazer algo para seu usufruto. E, sempre, e repito, sempre, os doutores se preocuparam com o nosso bem-estar como estarmos bem alimentados, precisarmos de ir à casa de banho, sentirmo-nos bem de saúde, ou até estar ao Sol.

Quem discorda da praxe é porque, das duas, uma - ou nunca foi praxado, ou então já foi, mas por pessoas que não sabem o que estão a fazer!

Zé disse...

Ah, e esqueci-me de referir que a minha posição e dos meus colegas quando éramos caloiros era a olhar para a frente e não para o chão. E também nunca fomos obrigados a fazer flexões e a beber álcool. Isto é para aqueles que pensam que a praxe é isso.

Anónimo disse...

Praxe sempre !!!! Morte ao M.A.T.A !!!

Anónimo disse...

Ninguém obriga ninguém a ir à praxe...

e só tenho que agradecer à praxe, pois sem aulas não teria um tão à vontade com os meus novos colegas, não teria contactos para apoio escolar dos estudantes mais velhos e não teria me sentido tão integrado e "parte" de algo!

Anónimo disse...

* enganei me, em vez de escrever "sem ela" escrevi "sem aulas"

Anónimo disse...

Anónimo disse...

Praxe sempre !!!! Morte ao M.A.T.A !!!
25 de Setembro de 2010 15:02


Coitadinho! E mais? Não dá?

Manel disse...

Essa do "só participa na praxe quem quer" deve ser a maior mentira de todas as que os praxistas dizem.

Anónimo disse...

Eu diria que só participa quem não tem coragem para não participar. :)

Anónimo disse...

No seguimento do comentário anterior:

Não é que a praxe seja irresistível, como alguns irão interpretar, mas face aos "castigos" que os que não são praxados têm... Penso que é preciso alguma coragem para abandonar os benefícios(?) da praxe em prol da dignidade e orgulho. Ou então basta ser-se inteligente.

Anónimo disse...

O propósito da praxe não é integrar os alunos, a integração decorre inevitavelmente do tempo que passam todos juntos na praxe, como é natural. Isso é o que nós dizemos a quem sinceramente não percebe nada disto, do que é a praxe, porque não a viveu ou então porque a viveu numa universidade com pouca história e tradição praxística e de bons custumes.

O objectivo da praxe final é crescermos como pessoas. Não como cidadãos (pra isso temos os pais e professores), não como idealistas políticos (pra isso existem os devidos cursos e órgãos políticos de juventude), nem como sabedores da cultura do nosso povo (pra isso temos os museus, o turismo nacional, as escolas/faculdades e enciclopédias nas livrarias).

Na praxe aprende-se a respeitar (não a humilhar) uma pessoa mesmo que não se goste dessa pessoa, o respeito está acima de tudo. Na praxe aprende-se a ser humilde e a acatar as ordens de quem nos é superior, bem como a ter cuidado com as ordens que se dá aos inferiores, ensinando também por isso a responsabilidade. E na praxe aprende-se a ser solidário com os nossos iguais, aprendemos o que realmente significa ser UM e de quanta força e respeito transmite a União.

Que ninguém me venha com tretas de que somos todos iguais porque na nossa sociedade somos todos diferentes. O dono não é igual ao patrão, o patrão não é igual ao chefe, o chefe não é igual ao empregado. Vivemos num mundo em que se não comemos e calamos facilmente nos põem na rua e vêm-me dizer que existe democracia? Onde é que numa empresa, de qualquer ramo que seja, há democracia??? Digam-me onde porque até hoje não vi nenhuma!

A praxe é opressiva? Não, mas exige respeito e humildade para desempenhar a sua função e não aspirar a outra a não ser no seu devido tempo e com o devido esforço e respeito.

Alguém tem alguma coisa a acrescentar?

Ricardo

Anónimo disse...

Se a praxe fosse mesmo para "integrar", a maioria dos de 2º e 3º ano etc não ficavam todos amuados quando alguém diz que não quer ser praxado...