quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Gago, quanto pagaste de propinas?

Através do blogue Vias de Facto, cheguei à notícia que se reproduz a seguir. Antes reproduzo o post desse blogue.
(Entretanto, e antes da notícia e do texto do post do VIas de Facto, acrescento a declaraçao dos manifestantes, encontrado no blogue Spectrum.)

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"Após entregar uma medalha de chouriço ao Ministro Mariano Gago, por ter alcançado o feito de nos meder no topo da Europa no que toca ao peso da educação nos orçamentos das famílias, leu-se o seguinte comunicado:

Nós, estudantes da Academia do Porto, em protesto nesta Cerimónia Oficial dizemos:
- Não há cerimónias porque nos últimos dez anos, um terço dos estudantes mais pobres abandonou o Ensino Superior, sendo que esta realidade aumenta a cada ano que passa.
- Não há cerimónias porque nos últimos 15 anos, as propinas aumentaram 400% em Portugal.
- Não há cerimónias enquanto este for o terceiro país da Europa com a propina mais elevada.
- Não há cerimónias enquanto tivermos um problema de democracia no Ensino Superior.
- Não há cerimónias enquanto a redução e a falta de verbas destinadas à Acção Social continuarem a empurrar estudantes para fazer empréstimos.
- Não há cerimónias porque 11 mil estudantes devem 130 milhões de euros à banca, quando ainda não trabalham, e não têm nenhuma garantia em relação ao seu trabalho futuro.
- Não há cerimónias enquanto a maioria dos 70 mil bolseiros em Portugal receber de bolsa mínima apenas 100 euros por mês.
- Não há cerimónias quando a resposta a um pedido de bolsa demora em média 4 meses.
- Não há cerimónias quando, numa das maiores crises sociais de todos os tempos, o Governo decide reduzir nas bolsas, atirando estudantes para fora do Ensino Superior.
- Não há cerimónias quando um ano lectivo começa sem os Serviços de Acção Social saberem os dados que necessitam para analisar os pedidos de bolsas, porque o Sr. Ministro ainda não fez aprovar o Despacho necessário.
- Não há cerimónias enquanto este "Ensino" só for público para quem tem 1000 euros para pagar as propinas.
- Nós, grupo de estudantes aqui em protesto, dizemos: Ensino Superior Público para todos e todas.

Basta de retórica."
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1942: regresso ao futuro
por Miguel Cardina

Estudantes do Porto interromperam uma sessão com Sócrates e Mariano Gago para denunciar a falta de apoio social escolar e o peso das propinas no orçamento das famílias. Os estudantes ergueram uma faixa com uma questão incómoda - «Gago, quanto pagaste de propinas?» - e denunciaram o desinvestimento do Estado na acção social escolar, o que aliás é claramente prescrito pelas medidas do PEC e foi admitido por responsáveis do ministério na AR. Mas este post não era para falar da justeza da contestação estudantil no momento actual nem para demonstrar que essa coisa do ensino gratuito – mesmo retirando as propinas – não existe nem nunca existiu. Quero só falar das declarações com que Gago tentou graciosamente apaziguar o assunto.

Demonstrando bonomia, ao contrário do senhor que tentou interromper a cerimónia dos estudantes contestatários, Mariano Gago lá disse que o valor das propinas é hoje equivalente ao que existia em Portugal em 1942, com a vantagem do rendimento per capita ter triplicado. Logo, conclui, as propinas agora são “bastante mais inofensivas do que eram no meu tempo”. Não sei se Mariano Gago, que entrou no Instituto Superior Técnico em finais dos anos sessenta, pretendeu convencer alguém que tinha mais 25 anos do que efectivamente tem ou que entrou na Universidade seis anos antes de ter nascido. O jornalista di-lo mas parece claramente um erro de circunstância. Menos inocente é a ministerial tentativa de atirar areia para os olhos do néscio, esquecendo o que foi a história do ensino universitário no país nas últimas décadas e as mudanças que este sofreu, desde logo ao nível da composição da sua população.

A pergunta dos estudantes tem sentido e a resposta do ministro é manhosa. Explico: a propina fixada em 1942 foi alvo de contestação logo a seguir – num processo no qual se destacou como dirigente estudantil Salgado Zenha – e permaneceu tímida até ao 25 de Abril. Não houve nenhum aumento significado até 1992, altura em que a questão apareceu com estrondo na ribalta. A partir daí a história é conhecida, com o regresso em força das propinas a seguir à paixão educativa de Guterres, e a letargia estudantil a fazer com que elas galopem por aí fora nos últimos anos. Hoje – não é artifício retórico – muitos estudantes deixam de estudar, ou ficam pelo 1.º ciclo, porque não têm dinheiro para as pagar. Os bancos agradecem enquanto cresce o novíssimo negócio dos empréstimos.

O que o ministro se esqueceu propositadamente de mencionar é que, em 1942, o ensino superior em Portugal era profundamente elitista. E assim continuou pelas décadas seguintes. Em meados dos anos sessenta, os estudantes no ensino superior não chegavam aos 30 mil estudantes; hoje são perto de 500 mil. E essa pequena fatia de estudantes que existia na altura, como é óbvio, era fundamentalmente oriunda da classe média-alta, pelo que o pagamento de propina não constituía em regra uma carga muito pesada no orçamento familiar. Além do mais, um qualquer estudante universitário à época podia facilmente dar aulas, explicações ou até ter um emprego que funcionava já como antecâmara da sua profissão futura, algo que hoje não existe de todo. Curiosamente, tenho aqui em frente um amplo inquérito aos estudantes universitários produzido pela Juventude Universitária Católica em 1967 e - entre práticas, atitudes, preocupações, gastos e condições de vida - não há uma palavra sobre as propinas. Os problemas eram outros e não eram menores; mas não queiram, a posteriori, impingir mais esse drama ao jovem lutador que um dia se foi.

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Protesto de estudantes surpreende Sócrates e Mariano Gago
14.SET.2010
Fernando Basto, JN

O primeiro-ministro José Sócrates e Mariano Gago, ministro da Ciência e Ensino Superior, foram surpreendidos, hoje, terça-feira, no Porto, por uma manifestação de estudantes durante a sessão da abertura do ano lectivo no Ensino Superior Técnico. Cerca de uma dezena de alunos da academia portuense subiu ao palco, onde leram um comunicado de protesto contra a política educativa. As tentativas de os retirar do palco resultaram infrutíferas.

Logo no início da sessão do arranque do ano lectivo do Ensino Superior Politécnico, no auditório do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)., três alunos subiram ao palco sem que ninguém contasse e anunciaram a atribuição de uma "medalha" ao ministro Mariano Gago que serviria para assinalar o facto de Portugal ser dos países da Europa em que as famílias mais gastam com a Educação.

De seguida, desceram do palco e entregaram a "medalha" ao ministro, que a recebeu em mãos, estupefacto. De regresso ao palco, os estudantes leram um comunicado - distribuído depois entre os presentes - em que protestavam contra o aumento das propinas, os empréstimos bancários para a frequência do Ensino Superior e carências a nível da acção social escolar.

Na parte cimeira do anfiteatro, uma dezena de estudantes empunhavam um cartaz onde se "Gago, quanto pagaste de propinas?". Os estudantes aceitaram abandonar a sala após pedidos insistentes por parte dos órgãos directivos do Instituto Politécnico do Porto.

Nuno Moniz, um dos estudantes envolvidos na manifestação - todos de instituições portuenses do Ensino Politécnico - disse ao JN que "o início do ano escolar é a altura ideal para dizer não à política governamental", precisando que a causa principal do protesto radica no "congelamento do processo de atribuição de bolsas de estudo aos alunos do 1.º ano alegadamente por os critérios de atribuição ainda não terem sido definidos".

Durante o seu discurso, Mariano Gago acabou por responder aos protestos. Recordou que o valor das propinas é, hoje, igual ao que era cobrado em 1942, altura em que ele próprio frequentou o Ensino Superior. "O valor progrediu seguindo as taxas de inflação. E atendendo ao facto de o rendimento per capita ter triplicado, as propinas são, hoje, bastante mais inofensivas do que eram no meu tempo", realçou.

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