domingo, 28 de fevereiro de 2010

Praxes violentas na UTAD

O Correio da Manhã notícia a existência de intermináveis praxes violentas no pólo de Chaves da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Um grupo de estudantes do 1º ano relatou todo o tipo de disparates: são obrigados a beber copos até madrugada e, mais assustador ainda, nos julgamentos da praxe são "colocados num local cheio pedaços de carne crua e ossos e, depois, completamente banhados com molhos gordurosos". Bem, isto é completamente ridículo e assustador por si. Já sei que virão os comentários dos praxistas que dirão "isso não é praxe, é um crime". Ora, então tudo o que acontece de mais violento na praxe não é praxe porque dá jeito - convém dizerem isso, mas não faz sentido absolutamente nenhum.

O que também surpreende é o motivo pelo qual os estudantes se sujeitam a estas torturas: querem poder usar o traje na semana académica "porque um universitário sem traje é como se o não fosse". Isso não faz sentido nenhum, os estudantes não têm um uniforme que têm de usar para os sinalizar enquanto tal, além de que a maioria dos estudantes simplesmente não usa traje. Um estudante universitário é um estudante universitário a partir do momento em que estuda numa Universidade. Simples.

Caricatas também são as palavras do líder das praxes, João Pedro: "ninguém é obrigado a participar nas idas aos bares". A partir do momento são obrigados a chafurdar em carne crua (sobre isso ele nada diz) não dou muito crédito a essa afirmação. Para rematar, o reitor da UTAD, Mascarenhas Ferreira, diz que deu instruções para que "as praxes fossem dignas, elevadas e imaginativas". Não percebo o que raio ele quer dizer com isso. Onde começa e acaba a dignidade na praxe (a partir do momento em que estudantes mandam em estudantes!)? O que é uma praxe elevada?! E uma praxe imaginativa pode ser muita coisa: obrigar pessoas a banharem-se em gordura requer alguma imaginação estúpida e sádica.


Youri Paiva


Alunos obrigados a praxe violenta
Correio da Manhã - 26 de Fevereiro de 2010 - Jornalista: Secundino Cunha

Cena do ‘Julgamento do Caloiro’, que teve lugar no início deste ano lectivo no pólo de Chaves da UTAD

É mais um caso de alegado exagero nas praxes académicas. Desta vez, no pólo de Chaves da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Um grupo de alunos do primeiro ano queixa-se de estar a ser vítima, desde o início de ano lectivo, de séries intermináveis de praxes académicas, sob ameaça de que, caso não se sujeitem aos castigos, não poderão trajar na semana académica.

"Primeiro foi a semana de recepção ao caloiro, depois veio o julgamento e o baptismo, momento a partir do qual as praxes deixaram de ser todos os dias e passaram a ser apenas à quarta-feira. Houve mais uma semana de praxe antes do semestre acabar e agora decorre [termina hoje] a semana do regresso", dizem os queixosos, sublinhando que, nos últimos dias, têm sido "obrigados a beber copos pelos bares da cidade, até altas horas da madrugada".

"Tivemos os exageros do julgamento, em que os caloiros eram colocados num local com pedaços de carne crua e ossos e, depois, completamente banhados com molhos gordurosos. Agora é essa violência de nos obrigarem a andar de bar em bar até às quatro, cinco e seis da manhã", acrescentam.

Os caloiros dizem que esta situação se verifica apenas no pólo de Chaves e não em Vila Real, onde se encontra sediada a universidade, "provavelmente porque lá o controlo das praxes é mais apertado".

Em declarações ao CM, João Pedro, responsável pela praxe, nega "peremptoriamente" as acusações, referindo que "ninguém é obrigado a participar nas idas aos bares" e que as mesmas "só acontecem entre as 22h00 e a meia--noite". E acrescenta que "essas acusações não são verdadeiras".

Mascarenhas Ferreira, reitor da UTAD, disse ao CM que não tem conhecimento de violência ou outros exageros nas praxes, lembrando que deu instruções claras para que "as praxes fossem dignas, elevadas e imaginativas". "Dizem-me que as orientações têm sido respeitadas, mas vou averiguar e se houver infracções os autores serão castigados", explicou.

OS QUE NÃO FOREM À PRAXE NÃO PODERÃO TRAJAR

Esta é a ameaça do ‘Conselho de Veteranos’: Os que não foram à praxe não poderão trajar. Ora, a Semana Académica é de 27 de Abril a 3 de Maio e os caloiros, que se querem apresentar trajados, "porque um universitário sem traje é como se o não fosse", sujeitam-se às exigências dos "doutores". O reitor da UTAD garante que, "no interior dos recintos da universidade, não há praxes sem a devida elevação", mas admite que "não é possível controlar os comportamentos dos alunos lá fora". O pólo de Chaves da UTAD tem 54 alunos no primeiro ano.

SAIBA MAIS

‘DURA PRAXIS, ...

... Sed Praxis’, ou seja ‘A praxe é dura, mas é praxe’ aproveita o mote latino do direito romano ‘Dura Lex, Sed Lex’ e reflecte a ideia antiga e profunda que o ‘foro académico’ é diferente da ‘lei civil’. Este é o princípio das praxes.

1727 foi o ano do reinado de D. João V em que a morte de um aluno na Universidade de Coimbra levou à proibição de qualquer praxamento dos caloiros.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

«O que eu penso das praxes», por Antonino Solmer

Eis que nos chega a décima primeira contribuição para a nossa rúbrica «O que eu penso das praxes». A lista completa pode ser vista na coluna lateral direita.

Antonino Solmer (n. 1950) é actor e encenador. Formou-se na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa e estagiou na Polónia. Trabalhou, entre outros, com os encenadores Ricardo Pais, Jorge Listopad, Fernanda Lapa e Osório Mateus. Encenou textos de Handke, Schnitzler, Rozewicz, Herberto Hélder, Brian Friel, Gabriela Llansol, Yourcenar, Y. Ritos, José Triana, Hauptman, Lorca, Ibsen, Strindberg e Martin Crimp. Fundou e dirigiu a companhia ContraRegra. Foi professor de teatro no Conservatório Nacional e integrou o ACT - Escola de Actores. Foi director do Teatro da Trindade e subdirector do Teatro Nacional D. Maria II. No cinema, trabalhou, entre outros, com João Mário Grilo e Fernando Matos Silva. Na televisão com António Escudeiro, Ferrão Katzenstein e Jaime Campos e integrou o elenco da série Duarte & Companhia e da telenovela Terra-Mãe. Dirigiu espectáculos musicais para Sérgio Godinho e Emilio Cao. Ver mais aqui.



O QUE EU PENSO DAS PRAXES


Circularidade duma afirmação mais ou menos irracional como numa bebedeira.
Um editor amigo dizia-me: Porque é que continuamos a publicar mais, sempre mais, e a vendermos menos, cada vez menos? Porque estás a cavalo numa bicicleta. Se parares de pedalar, cais. Tens a sensação de que perdes, que não acompanhas o outro.

“Como no poço da morte, como no poço da morte…”

Há uma força centrífuga que te torna herói ou te distingue.



As capas sempre tiveram propósitos. Ao longo da história.
Foram adoptadas as negras. Curiosamente como em Espanha, como negros são as borlas e chapéus académicos do Brasil.


Ritos de iniciação. A “caloiros”.
Quem sabe já o que são esses ritos?


Nos anos sessenta, paquete de uma companhia de seguros, mandaram-me ir do 3º andar ao r/c buscar o “livro dos mortos” dos anos trinta. Disseram-me que eram aqueles tantos calhamaços encadernados e o mais que houvesse…
O meu pai recebeu um aprendiz que dizia “frosfaz” em vez de esferográfica; e “frifo” em vez de frigorífico. Fizeram-lhe uma “amostra”, consistindo isso numa exposição dos órgãos genitais onde todos podiam cuspir. A este, por último, puseram-lhe massa consistente a cobrir os pêlos dos colhões. O jovem chegou a casa e teve se ir lavar ao ar livre, fora da vista da família que vivia numa barraca.


Qualquer feiticeiro ancestral, dum qualquer povo recôndito e “subdesenvolvido”
ficaria incrédulo com tal rito e tal iniciação.
Qualquer autor de Harry Potter transcreverá ritos galhofeiros, pelo meio da trama,
duma forma que acrescenta uma finalidade positiva.



O rapaz do “frofaz” e do “frifo” chegou no outro dia para ganhar o seu salário.
Contou com melancolia o que teve de passar para lavar os colhões na água fria. E estava sorridente.
E eu percebi que a sua solidão continha o medo da afirmação que o desprenderia do “costume”.
Que o despenderia da “maioria”. Que tudo isso o levava ao exercício e aceitação de uma fácil e autoritária hierarquia.


“A referência é o patamar de cima.

- Como no poço da morte, como no poço da morte… -

Um desejo de ascenção e até de identificação com quem já lá esteja. Uma vez lá chegados, naturalmente, acamaradamos com os que ali se encontram e, recordando as provações passadas, traçamos os limites corporativos do patamar.
E torna-se evidente que tudo isto pode valer. Como prova de um sistema baseado no primado do poder.”


As capas sempre tiveram propósitos. E histórias cuja densidade tiveram identidade e história.
Tradição? Sim!
Mas qual?


Esquecemo-nos no tempo como Coimbra (a das capas) para uns é Choupal, Pedro e Inês, serenatas às raparigas, Menano e Luís Góis, Zeca Afonso,
Adriano, e ainda Antero.
E para outros mais a cidade conservadora que ainda vence.
A cidade da obscura espera
de Cerejeira e Salazar, antes do ataque.


As boas tradições são aquelas que perduram na senda do futuro.
Que perseguem uma Obra e uma Construção.


Hoje, o respeito pelos homens e pelos Direitos Humanos, exigem das autoridades,
a começar – logo, evidentemente – pela autonomia dos movimentos associativos –
o exercício das responsabilidades que lhes são inerentes.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cinco anos de prisão para violador de caloira

O pântano de brincadeiras parvas e pouco interessantes em que reina a arbitrariedade e a lei do mais forte, esse pequeno microcosmos inventado à força segundo a boa ordem da hierarquia e da desigualdade entre uns e outros, em que o elo mais fraco é, à semelhança do que se passa na sociedade – porque a preocupação da praxe é mantê-la como está e reafirmar os valores reinantes, ao invés de querer transformá-la -, a mulher, o diferente, o deficiente, o que é gordo demais, o que é baixinho demais, o que usa óculos, o que é efeminado, o que veste fora da moda, o que pode ser mais facilmente usado, gozado ou explorado… são terreno fértil para acontecimentos como este: uma violação de uma «caloira».

Muitos virão dizer que isto não tem nada que ver com praxe, foi só um louco que fez isto por sua livre e espontânea vontade e que o que aconteceu não estava no programa de quem organizou a queima das fitas. Pedimos que reflictam um pouco antes de quererem simplesmente afastar o mal com um empurrão e um fechar de olhos. Que pensem como é que violações, acidentes e traumas têm que ver com as relações desiguais que se estabelecem entre quem praxa e quem é praxado, a construção representada de uma elite da sociedade (os estudantes, esses grandes supostos filhos da nobreza) e a ilusão de que os momentos de praxe são momentos de excepção (momentos em que quem ganha é quem bebe mais álcool de uma vez e quem faz a figura mais triste).

Não nos surpreende que as queixas continuem a aumentar nos últimos tempos, tornando-se casos de tribunal que aparecem nos jornais. E percebemos bem porque é que muitas vezes as vítimas queixosas são mulheres. (Sobre a falta de arrependimento do acusado, que alega ter sido seduzido pela nova aluna, nem fazemos comentários!) As pessoas começam a fartar-se e perceberam enfim que a praxe não pode continuar a ser uma seita fechada onde se passam as maiores aberrações e que o que acontece no seu âmbito pode dizer-se à sociedade, aos tribunais e aos jornais. Tem de sair cá para fora, para que todos saibam. Os traumas individuais é que serão mais difíceis de curar.


Diana Dionísio





Cinco anos de prisão para violador de caloira
Crime ocorreu no recinto da queima das fitas de Braga, em 2008
00h25m
PEDRO VILA-CHÃ


O colectivo do Tribunal de Braga condenou a cinco anos de prisão efectiva um antigo estudante da Universidade do Minho, dando como provados os factos de que era acusado: violação de uma aluna durante a festa académica do Enterro da Gata, em 2008.

Os factos remontam ao dia 11 de Maio, um domingo, dia em que a aluna, caloira, então com 18 anos, foi violada por Pedro Orlando Alves, então finalista do mesmo curso de Biomédicas. Ambos estavam no recinto onde decorriam as tradicionais festas estudantis, tendo o aluno agarrado a vítima, levando--a para uma tenda onde consumou a violação. Após quatro audiências, o colectivo de juízes concluiu haver matéria de facto para acusar Pedro Orlando, condenando-o a cinco anos de prisão efectiva e ao pagamento de uma indemnização de 35 mil euros.

"Acho que se fez justiça, por ter sido condenado a pena efectiva, porque este foi um crime muito violento. A [...] está satisfeita com a sentença e pode ser que isso também contribua para que ultrapasse o trauma em que ainda se encontra", disse a mãe da vítima ao JN. De resto, a aluna acabou por abandonar o curso que frequentava, em Braga, e pediu transferência, "porque não aguentava estar naquela cidade".

O advogado de defesa da vítima, Paulo Ferronha, lembra que "a pena aplicada tem em conta a frieza do acusado, ao não assumir arrependimento pelo crime que cometeu. Ele alegou sempre que foi seduzido e que houve sexo oral consentido, mas os exames periciais demonstraram politraumatismos que desmentem".

De resto, o advogado referiu que ante um crime violento em que a moldura penal vai de três a dez anos "foi feita a justiça possível" e o facto de não ter sido aplicada pena suspensa permite ao condenado ter "a percepçãode que cometeu um crime hediondo". Na altura, a aluna contou que tinha estado com amigas na tenda de Biomédicas e bebera uma ou duas bebidas, quando o colega a puxou para trás da barraca. Ainda pensou que se tratasse de mais uma praxe. Recusou quando o colega tentou convencê-la a manter relações sexuais, mas depois foi dominada pela violência. Ainda gritou, mas de nada lhe valeu. "Foi violada de todas as formas", disse a mãe da jovem.

in Jornal de Notícias


a mesma notícia no Guimarães Digital

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

RUBI: Reportagem sobre as Praxes

Foi feita uma interessante reportagem - "Quando integrar rima com humilhar" - pela estudante da UBI Inês Honorato. Tem entrevistas a Rui Ferreira, estudante de Comunicação da UBI; João Luís, dux veteranum da Universidade de Coimbra; às moradoras da República das Marias do Loureiro; a Ricardo Alves do M.A.T.A; e ao psicólogo social Manuel Loureiro.

Nesta reportagem podem ser ouvidos argumentos em defesa e contra a praxe académica. E há lá umas belas pérolas a defender a praxe... Vale a pena ouvirem neste sítio da Rádio da Universidade da Beira Interior.