A quinta coluna dos banqueiros nas universidades
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
Que se passa no Ensino Superior? (6)
“E, compreenda-se lá, há
estudantes que defendem esta medida. Faz lembrar as manifestações na
Índia, em que os membros das castas superiores contestavam a
democratização do ensino superior porque entendiam que os membros das
castas inferiores não deveriam ter direito a frequenta-lo. Na verdade, a
elitização encaminha-nos nesse sentido. Não é por acaso que esta
mentalidade se alastra pelo movimento associativo estudantil. Mas, como
no passado, o ensino superior é um viveiro de contradições. E há quem
resista.”
Há cinco anos, escrevi um artigo,
publicado em resistir.info, que denunciava os empréstimos bancários a
estudantes e que desmascarava a publicação da Associação Académica de
Lisboa (AAL), o Semanário Académico de Lisboa (SAL), comprometido com os
interesses dos principais bancos. Então, Ricardo Florêncio, director do
pasquim corporativo e dirigente associativo da Escola Superior de
Comunicação Social, lançou a ameaça de me levar a tribunal. Perante a
notícia de hoje que dá conta de que os recém-licenciados devem 1,4
milhões à banca e que, sem emprego, não têm como os pagar, senti-me na
obrigação de denunciar todos aqueles que, sendo dirigentes associativos,
preferiram pôr-se ao lado dos banqueiros. Também eles são culpados.
Um semanário académico ao serviço do capital
O fosso entre o que diz a Constituição
da República Portuguesa e a realidade do nosso país é o mesmo fosso que
separa as necessidades do nosso povo e os interesses do capital. Quando,
em 1974, o povo tomou as avenidas e ruas de Portugal, as forças
políticas, ao lado do capital, fragilizadas, não tiveram outro remédio
senão aprovar a carta magna mais progressista da Europa Ocidental desde a
Comuna de Paris.
Frente à ignorância que verga os povos
aos pés dos poderosos, a revolução de Abril resgatou o nosso povo do
analfabetismo crónico. Deu-lhe instrumentos para acabar com a elitização
do conhecimento e para democratizar o ensino. Na Constituição da
República Portuguesa, há um artigo relativo ao ensino que estabelece que
“todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de
oportunidades de acesso e êxito escolar” e que indica, de seguida, que
“na realização da política de ensino incumbe ao Estado: (…) estabelecer
progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”.
No final dos anos 80, depois da
recuperação, por parte do capital, do poder económico e político, surgem
as ideias sobre a possibilidade de se cobrarem propinas. Cavaco Silva,
então primeiro-ministro, tenta calar os estudantes à bastonada e
fracassa. António Guterres, que na campanha eleitoral afirma estar
contra as propinas, acaba por vencer. Na primeira oportunidade,
apresentou e aprovou a lei que regulamenta a existência de propinas no
ensino superior. Depois foi o que se viu, as propinas viram sucessivos
aumentos e o investimento estatal no ensino viu sucessivas reduções.
Desde então, a condição de classe voltou
a ser uma barreira no acesso ao ensino superior. O ingresso numa
universidade ou num instituto politécnico passou a depender do peso dos
bolsos dos nossos pais. Como antigamente. Milhares de estudantes
abandonam o ensino superior e outros tantos nem se dão ao trabalho de se
candidatarem. É que mesmo a acção social, usada pelos defensores das
propinas como argumento de que há um instrumento que ajuda os estudantes
mais carenciados, tem sido alvo de sucessivos desinvestimentos.
Mas agora há uma novidade. O governo
decidiu importar da Alemanha uma medida que vai revolucionar o ensino
superior. E não, não se trata do valor do salário mínimo alemão.
Tratam-se dos empréstimos bancários a estudantes. De uma cajadada só,
matam-se dois coelhos. Por um lado, pode acabar-se com a acção social e,
por outro, abre-se caminho aos bancos para um grande negócio. Ou seja,
os licenciados com carências económicas entram directamente para o mundo
do desemprego pela porta grande. Não só desempregados mas também já
endividados.
E, compreenda-se lá, há estudantes que
defendem esta medida. Faz lembrar as manifestações na Índia, em que os
membros das castas superiores contestavam a democratização do ensino
superior porque entendiam que os membros das castas inferiores não
deveriam ter direito a frequenta-lo. Na verdade, a elitização
encaminha-nos nesse sentido. Não é por acaso que esta mentalidade se
alastra pelo movimento associativo estudantil. Mas, como no passado, o
ensino superior é um viveiro de contradições. E há quem resista.
Não é o caso do Semanário Académico de
Lisboa ( SAL ). Há uns meses, faziam uma espécie de roteiro do Processo
de Bolonha, onde havia lugar para todos os elogios. Não foram muito
originais porque destacaram a mesma mentira que todos os outros: de que
agora é possível estudarmos em qualquer lugar da Europa sem os entraves
de um ensino superior europeu diferenciado. Pois. Mas, como todos os
outros, esqueceram-se de referir que só os ricos o podem fazer.
Se há coisa de que não se pode acusar o
SAL é a de esconder a sua orientação política. Pela sua frontalidade,
merece o elogio de todos os estudantes. Ao contrário da maioria da
comunicação social portuguesa, o SAL marca a diferença e indica o
caminho. Onde os outros mascaram a objectividade e a imparcialidade, o
SAL, despe-se, sem sombra de pudor, e dá-se a conhecer como é: um jornal
formado pela Associação Académica de Lisboa, que poucas vezes esteve ao
lado dos interesses dos estudantes; um jornal conduzido por um
dirigente associativo, Ricardo Florêncio, que nunca correspondeu ao
papel histórico do movimento associativo estudantil; um jornal que é o
porta-voz da quinta coluna do poder no mundo académico de Lisboa.
Na sua edição de 13 de Novembro, o SAL
anunciava “Santander Totta com primeiros contratos para empréstimos para
estudantes”. Na mesma notícia, debaixo do título, o logotipo do Grupo
Santander surgia bem maior do que o tamanho do próprio artigo. Será
desnecessário dizer-se que em momento algum se lê a opinião de alguém
com uma opinião critica sobre o assunto e que o que sobra para a
história são os sucessivos elogios do jornalista e das fontes. Uma forma
sóbria e rigorosa de se fazer publicidade a uma empresa e a uma medida
política.
Na semana seguinte, o SAL faz sair o seu
8º número e lança-se no desafio de ultrapassar as fronteiras da arte de
fazer propaganda. E foram bem sucedidos. Na capa, surge um mealheiro,
provavelmente, numa referência ao dinheiro que os bancos irão amealhar, e
o título “Empréstimos para o superior/O SALx faz as comparações”. Logo
na segunda página, um artigo a abrir que refere que “os empréstimos
oferecem ainda mais duas vantagens para os estudantes”. E, de seguida,
uma entrevista ao Millenium BCP, na qual o banco explana a sua missão de
ajudar os jovens “nas necessidades e nos sonhos que eles têm”.
Mas eis que aparece numa caixa o
seguinte inquérito: “Dá-nos a tua opinião. Consideras útil a existência
deste crédito?/Os teus comentários também contam!” Para além de explicar
que podemos enviar uma mensagem escrita para o número indicado, Ricardo
Florêncio e companhia dão-nos o exemplo de como pode ser a opinião.
“SALx, não só concordo como acredito que é um enorme passo para o Ensino
Superior…etc…etc”.
A página seguinte repete a entrevista a
bancos. Neste caso, ao Grupo Santander e à Caixa Geral de Depósitos.
Ambos discorrem sobre a natureza humana das suas acções de apoio aos
estudantes. O Grupo Santander um pouco mais porque tem mais espaço de
propaganda que os dois outros bancos. Sinceramente, talvez por
ingenuidade, não se percebia o porquê desta obstinação com o Grupo
Santander, até que li a contra-capa. E em toda a largura da folha, lá
estava: “Pensa no curso e deixa as notas connosco – SantanderTotta, o
valor das ideias”.
Publicada por serraleixo em quarta-feira, fevereiro 15, 2012
Etiquetas: Associações de Estudantes, Bolonha, Ensino Superior, Financiamento, Opiniões, Propinas
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3 comentários:
MATA, a 5ª coluna do BE nas universidades.
Ai, é? Então porquê?
E quais são as outras 4 colunas, já agora?
Usando a mesma lógica que tu, calculo então que sejas do P N R e que o teu pai faz parte da administração do BES.
adoro como o pessoal do mata tem sempre bons argumentos contra qualquer coisa que se diga! Pessoal simpático, sempre!
É por isso que o vosso blogue está às moscas :)
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