No Diário de Notícias 16 de Dezembro de 2007, três parágrafos da crónica do sociólogo insociável Alberto Gonçalves, disseram respeito ao MATA:
MATA E ESFOLA
O melhor argumento contra as "praxes" universitárias são as próprias. O único argumento a favor das "praxes" são os movimentos que se formam, muito organizadinhos, para as combater. Por estes dias, soube-se que o aluno que, na Escola Superior Agrária de Coimbra, se lançara de cabeça para um lamaçal ficou paraplégico. Sem que se percebesse porquê, o MATA entrou no baile. O MATA diz ser o Movimento Anti--Tradição Académica e, segundo li, "promove iniciativas e denúncias contra a praxe e o autoritarismo". Por encomenda de quem, exactamente? Para salvar quem, exactamente?
Que se saiba, o principal método de afrontar a "praxe" é ignorá-la. Foi o que eu fiz quando, nos primeiros instantes de universidade, suspeitei que teríamos circo. Não sendo apreciador, fui-me embora e só regressei depois de desmontada a tenda. Outros deixaram-se estar e entraram no frenesim. Ao vê-las ao longe, confesso que me ocorreu certo desdém por aquelas criaturas em fila indiana e rabiscos na cara. Não me ocorreu convertê-las à Verdade. A verdade é que pareciam felizes, e no mínimo enxovalhavam-se de livre vontade.
O aluno de Coimbra, que até frequentava o 3º ano, mostra que a escolha individual não é aqui desprezível. Anos passados, inúmeras pessoas evocam as palhaçadas da "praxe" com terna nostalgia, e não será justo privar os moços de hoje de evocações futuras e das palhaçadas presentes. Por um óptimo motivo: eles gostam das palhaçadas. Se não gostam, podem evitá-las com facilidade (mesmo arriscando uma imaginária "integração"). Se não podem evitá-las, e se vêm forçados sob ameaça de arma a chafurdar em lamaçais, o assunto é de polícia. Em nenhuma circunstância o assunto diz respeito ao MATA ou à sua casa-mãe, o Bloco de Esquerda (que quer uma linha de apoio às "vítimas" da "praxe"). De resto, abolir costumes a pretexto da sua subjectiva tolice ou ocasional perigo implicaria o fim de quase todas as actividades.
Aqui fica a resposta que o MATA enviou para a imprensa, ainda não publicada:
Praxe: a necessidade da discussão e da acção
Comecemos por concordar com o sociólogo Alberto Gonçalves que escreveu, no dia 16, um artigo de opinião que abordava, entre outros, o tema da praxe e a existência do M.A.T.A. . De facto o melhor argumento contra a praxe são as mesmas. A observação da praxe, por muito pouco atenta que seja, põe logo a nu o que de pior (e também de mais intrínseco) nelas há, que é a dominação de uma pessoa por outra, a subjugação de um estudante por outro. A existência dos “casos” revela mais uma faceta, a sua arbitrariedade (porque depende da vontade de alguém) e a sua tendência para o abuso e violência.
A concordância termina por aqui. Para nós, M.A.T.A., a melhor forma de se combater as praxes não é assobiar para o lado fingindo que não se vê ou não existe. Ou simplesmente olhar de fora com desdém, superioridade e moralismos para aqueles e aquelas que ainda não atingiram a "Verdade " (que verdade será esta a que se referia?)... A nossa resposta é combatê-las onde elas são mais frágeis, que é nas suas contradições. Para integrar é preciso humilhar? Para divertir é preciso um estar de pé e outro de joelhos? Para fazer coisas em conjunto é preciso alguém mandar? E combatemo-las criando debate e discussão, fracturando os falsos consensos que a praxe tenta impor. E fazêmo-lo também de outras formas, formas criativas como lançar um CD por nós idealizado e construído com tantas outras pessoas, no qual várias bandas mostram que estar na faculdade é precisamente a recusa do que nos é imposto e a procura de novas formas de estar e de ser. É apenas um exemplo entre muitos outros possíveis.
De facto a escolha individual na praxe não pode nem deve ser desprezada. Se se pode admitir que alguém tenha o direito a querer ser pintado, humilhado, enxovalhado ou pau mandado de outro, já não se pode reclamar o direito de fazer de outro o seu pau mandado. Ora, é essa a essência da praxe. Seja ela mais ou menos "moderada". Por isso é que combatê-la envolve um debate transversal na sociedade e na escola. Porque é uma escolha da sociedade, das suas liberdades e escolhas, que este assunto em si encerra.
E desse papel a Assembleia da República não pode nem deve abster-se. Se é o Bloco de Esquerda que promove esse debate, é uma escolha desse partido. Mas dizer que o Bloco de Esquerda é a casa-mãe do M.A.T.A. é ignorar completamente mais de uma década de actividade onde convergiram pessoas de várias sensibilidades politicas (e partidos, também). E uma pesquisa mais atenta mostrar-lhe-ia que o M.A.T.A. existe desde 1994 e o Bloco desde 1998...
As tradições e costumes fazem parte de uma cultura e uma sociedade, que estão em constante mudança, com as suas vivências e as forças que nela operam. Portanto a cada altura essa sociedade deve questionar se as suas tradições ainda se aplicam, se se justificam ou se ainda fazem sentido. Porque se assim não fosse, as mulheres ainda não teriam "Direito à Igualdade e a estar livre de todas as formas de descriminação", por exemplo.
Para terminar, aproveitamos o artigo deste sociólogo para dizer que achamos normal e saudável que haja oposição – estamos, aliás, bem habituados a ela –, mesmo quando essa oposição considera que existem apenas algumas “verdades” legítimas. Ela é mais uma das razões que nos ajudam a pensar nas coisas que acontecem à nossa volta e nos dão energia. Energia para querer continuar a pensar, a falar, a ouvir, a fazer, a mudar e a transformar.
Vitor Ferreira, “Movimento Anti-Tradição Académica”
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